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O “linguajar desabrido”

 

       

 


Numa outonal tarde solarenga ia eu a percorrer a Avenida Central da nossa Bracara Augusta quando me cruzo, mesmo em frente da Igreja dos Congregados, com cerca de uma dúzia de moçoilas alegres, divertidas e em animado falatório. Num despreocupado estado de espírito de quem tem o sangue a fervilhar nas veias e uma vida em flor pela frente. Só que, ao aproximar-me destes seres femininos não contava que, em termos de igualdade de género, haviam alcandorado ao seu vocabulário o “linguajar desabrido” de nível idêntico ao de homens rudes.  

Passei por elas como passo por muita gente, mas que entabula os seus diálogos com normalidade, não me prendendo a atenção. Porém, desta vez o palavreado era tão deprimente que não me deixou indiferente. A meu ver, tratava-se de meninas com alguns estudos adquiridos, uma vez que estavam na idade de os prosseguir, ou em vias de se de formarem. No entanto, pareceu-me existir em todo o grupo a preocupação em andar vestido dentro dos padrões da moda, envergando roupinhas e ténis das marcas mais consagradas do mercado.  

Contudo, vestígios de educação é que não enxergava praticamente nenhum, tantos eram os palavrões expelidos pelas suas delicadas bocas, que nem latrinas a céu aberto. Não lhes ouvindo uma só frase, em que não constasse um impropério com vernáculo alusivo ao genital humano pelo meio. Se bem que já tenha presenciado e ouvido linguagem dessa a franganotes machos, acabados de saírem da casca.

Fiquei a pensar se estas tontas mocinhas andavam num ensino escolar a sério, ou numa escola superior das obscenidades. Na qual, se formaram alguns dos atuais humoristas nacionais. Useiros e vezeiros no chorrilho de impropérios que usam para fazerem rir o pessoal. Pois que eu me lembre, nunca ouvi tais expressões a serem, alguma vez, proferidas, pelos saudosos Vasco Santana, António Silva, Raul Solnado e outros vultos da comédia portuguesa, para arrancarem sorrisos e aplausos à plateia.

 Com efeito, a falta de tento na língua é hoje muito comum nos espetáculos, ditos culturais da “Stand Up Comedy”, a que a populaça acorre e acha um piadão. Dado entender ser essa a forma ideal para se tornar mais livre, sábia e letrada. Para isso, contribuem alguns dos nossos canais de TV, ao darem voz a tal pseudomodernismo. Se calhar, eu é que estou fora do contexto atual, ou seja, démodé.

  Do mesmo modo que dão palco a determinada música “Pimba”, outrora apelidada de brejeira, cujas letras encaixariam bem no mundo da indústria pornográfica, sempre que o artista recorre a vocabulário do foro sexual. Uma contaminação que já começou a atingir os cantares ao desafio, tão peculiares do nosso folclore. Ou seja, é tudo a encorajar e nada a contrariar essa tendência. 

 Hoje quem numa conversa não introduzir o léxico de sarjeta, é não se achar com graça. Estamos na era da pornofonia. E àqueles que não a usam, ou condenam, chamam-lhes mentes púdicas e líricos. Há como que uma linguagem chavascada, em vez do uso correto da língua portuguesa tão rica em vocabulário decente. 

Só para citar um exemplo de como esta arcaica corrente linguística é acarinhada por certa gentalha, o Bispo do Porto, D. Manuel Linda, ao vir chamar à atenção para o cuidado que devemos ter com a rudeza das palavras, viu-se atacado nas redes sociais, preferindo não mais intervir. Dado que a populaça o que quer é continuar a chafurdar na escabrosa enxurrada de asneirolas, seja onde for e esteja quem estiver. 

 Prece que os palavrões são os únicos que não saem da moda. Antes pelo contrário, ganham cada vez mais expressão. E já pouco há a fazer, tanto vai sendo não só o à-vontade com que são pronunciados, como já nem se respeitam as crianças e os lugares sagrados. É que já me aconteceu estar a orar no interior duma Igreja e, ao abrir-se a porta, entrar uma enxurrada de palavreado obsceno. Confesso ter a sensação de que, até, a Virgem Maria cora de vergonha por saber que há filhos de Deus com a boca ao nível de esgoto.  

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

4 dezembro 2023