A situação actual do nosso mundo não é nada agradável. Era este o pensamento de alguém que, num café, dizia com voz alta, não porque desejasse ser ouvido, mas porque tinha o chamado vozeirão, mais grave do que agudo, que fazia chegar a sua conversa a todas as outras mesas.
Afinal, quais as razões que apontava para o seu raciocínio tão pessimista? Esta questão foi-lhe posta por um companheiro de mesa. Fez uma cara de espanto. E respondeu sempre no seu tom forte, que não deixava ninguém sem o entender.
“Ainda perguntas? Temos duas guerras a matar gente. E nunca se sabe quantas vítimas diárias partem desta vida por causa de combaterem, ou, pior ainda, quando são vítimas inocentes e pacíficas dum bombardeamento brutal, que destruiu vidas e edifícios sem piedade”.
Alguém observou: “É certo, duas guerras, morre gente, mas que podemos nós fazer para mudar o estado das coisas,,,?”
Ficou sério, não contestou de modo imediato, pensando talvez em alguma forma de resposta mais adequada... Mas nada lhe saía. Encolheu os ombros, manifestando a sua impossibilidade de dar uma solução ao problema.
Um dos seus colegas de mesa tomou a palavra: “Quem o saberá dizer? Não há resposta para uma situação imprevisível... Eu estava convencido de que a guerra, pelo menos nos países que considero mais adiantados, fosse um problema, confesso, a que a evolução do homem tinha posto fim dum modo natural, isto é, pela clara percepção do pensamento e da sua evolução de que a guerra não tem sentido humano, ou, se quisermos, foi uma forma violenta dos nossos congéneres resolverem questões de disputa, não de um modo racional, mas emotivo...”
Estas suas considerações levantaram algum cepticismo. Uns consideravam que nós somos sempre iguais, e se a evolução tecnológica nos torna a existência mais agradável e pacata, os conflitos entre os povos e as diversas formas de encarar a realidade e de a explicar, provocam exaltações de nervos, quer pessoalmente, quer na própria sociedade, que desemboca depois nos confrontos mais violentos.
Ninguém contestou a justeza desta explicação, mas também ninguém parecia que com estas ideias a a razão de ser dos fenómenos bélicos ficava bem discernida.
Tanto assim, que outro companheiro de mesa, com um encolhimento de ombros, observou: “O certo é apenas isto: há duas guerras no activo e parece que não sabemos quando e quais serão os seus termos finais... Que morre diariamente gente é um facto e, muita desta, tanto quanto se pode ver, nem sequer está implicada nos combates entre as forças que se confrontam. São crianças, idosos e gente trabalhadora. Uma guerra é sempre um vendaval humano de desgraças...”
Calou-se. Todos lhe deram a sua aprovação. Mas um mais impetuoso, observou com energia: “Mas porquê? Como é que os homens não sabem resolver os seus conflitos de outra maneira? Mais... As guerrras resolverão efectivamente os problemas que lhes dão origem?”
Um silêncio profuso manteve os ocupantes da mesa calados durante mais de um minuto. Olhavam-se mutuamente sem saberem como continuar a conversa. Dir-se-ia que não tinham soluções para as questões que abordavam. Tanto assim que um, por fim, se levantou e observou: “Eu não sei resolver este problema. Mas há outras questões que sim. Por exemplo, se eu não pago hoje um imposto que só a mim diz respeito, apanho uma multa... Isto, sim, que posso resolver. Por isso, se me permitem, vou onde tenho de ir e farei o que devo fazer, ou melhor, o que sou obrigado a fazer, porque este imposto que tenho de saldar parece-me absurdo. Enfim, é uma guerra diferente... Se me permitem, despeço-me e cá estarei amanhã, à hora do costume, para conversamos um bocado...” Afastou-se, despedindo-se e ao chegar à porta de saída, exclamou: “Por mais que pense, amanhã continuarei sem perceber os porquês destas guerras”. E acenou um adeus com as mãos, ao mesmo tempo que sorria e se afastava.
Os seus companheiros de mesa não lhe responderam. Olharam uns para os outros, levantaram-se e sairam também sem comentarem entre si a atitude do que partira antes deles. E foram deixando o café, dizendo com naturalidade: “Até amanhã...”