O trabalho da Fundação Francisco Manuel dos Santos não é apenas revelador da insensatez que caracteriza o sistema eleitoral português, é o espelho de uma confrangedora irresponsabilidade dos atores políticos que se tem governado com a desorganização que tem resultado na manipulação burocrática dos resultados eleitorais, sempre a favor dos mesmos. Só assim se compreende que, ao fim de 49 anos em Democracia, continuemos a descobrir falhas graves e inadmissíveis na organização do censo que nos habilita a exercer o direito e o dever de votar. Um milhão de pessoas e poderiam ser apenas dez, ´diz muito de como esta questão, apesar das continuas denuncias, se mantém irredutivelmente, em último lugar das preocupações dos partidos políticos. É tão clara a indiferença das forças em presença que nenhuma delas, até à hora que escrevo esta crónica, expressou qualquer preocupação com este facto. Acresce o silencio inadmissível de uma Comissão Nacional de eleições que há muito deveria, ela própria, ser alvo de uma profunda alteração. O seu silêncio, a sua opacidade em todo este processo e um clima de suspeição permanente sobre os objetivos da sua inocuidade, são suficientes para um alerta que deveria ter mobilizado Presidente da República, Assembleia da República e Câmaras Municipais, mas está visto: ninguém fala, ninguém crítica, todos esperam “pelos dias que passam”, convencidos que estão que, desta feita, o povo português, também se esquecerá de que o baile continua armado; todos podem dançar, mas ninguém está autorizado a sair da roda, o mesmo é dizer, que a vidinha continua com resultados eleitorais a não expressarem a verdade da expressão de voto que poderia mudar, desde logo, a forma como o número de deputados a eleger é atribuído a cada círculo eleitoral. A situação é tão má que basta olhar para os números do trabalho da Fundação para perceber que, apesar das contínuas denuncias públicas e de juras sucessivas que o problema estaria resolvido, um pouco mais de cinco por cento do desvio agora denunciado, continua a ser assacado a eleitores falecidos, cerca de 50 mil pessoas. O baile está armado, a confusão continua a servir os interesses partidários e nós cidadãos, preocupados com a contínua indiferença dos portugueses pela vida política, somos impelidos a acreditar que a força da abstenção continua a ser um enorme fiasco da Democracia, quando afinal, apesar do seu gigantismo, estamos em linha ou até melhor que alguns dos países onde a presença dos eleitores nas urnas, é uma tradição substancialmente superior aquelas que nos é dada a percecionar em Portugal. Falar de 35 por cento não é o mesmo que 42 por cento e tentar atribuir a responsabilidade aos portugueses que quando emigram não alteram a sua morada, é desculpa de quem nunca esteve interessado em mudar o status quo. Esta assimetria é a quinta maior na Europa, atrás de países como a Roménia, Letónia, Grécia e Bulgária, o que diz muito do lugar que o nosso país na avaliação da qualidade dos sistemas eleitorais em vigor na Europa, tanto mais que o desvio agora denunciado pelo estudo, atinge as faixas de eleitores mais jovens – entre os 20 e os 34 anos; por sinal aquelas que detém maior capacidade para estabelecer veículos de comunicação com o estado on line on time. As razões apontadas pelo estudo para este desvio atiram toda a responsabilidade para os eleitores, quase nada sobra para quem organiza os atos eleitorais, o que não deixa de ser um paradoxo, mesmo que por lá se alvitre como solução o aumento do número de deputados pelos círculos da europa e fora da europa. As ferramentas avançadas para a gestão deste problema existem – veja-se como se resolveu o problema da mobilidade do voto para as europeias -, falta ousadia na capacidade de as tornar definitivas e encontrar métodos expeditos que vão para alem do voto eletrónico. Portugal tem hoje ao seu dispor, através do i-gov, um poderoso instrumento na relação dos cidadãos com o Estado, mas ninguém parece interessado em dar-lhe a importância devida para evoluímos nesta dimensão. Os problemas de segurança aparecem sempre como um entrave, mas todos sabemos que é uma desculpa que serve escrupulosamente os interesses dos partidos e a natural manipulação dos círculos eleitorais e consequente distribuição dos deputados a eleger.