Chegamos a um tempo em que o oposto da linguagem já não é o silêncio, mas o ruído.
De facto, não é o silêncio que interdita a palavra de sair; é o ruído que impede a palavra de chegar.
Todos abrem a boca e todos fecham os ouvidos. As palavras sobrepõem-se às palavras. As palavras sufocam as palavras. Quem escuta?
Multiplicam-se as discussões, cresce a gritaria. Haverá comunicação?
Há, sem dúvida, muito para dizer. Já não haverá nada para ouvir? Mas como pode alguém ouvir se estamos todos ocupados em falar?
Esquecemos que comunicar não envolve somente abrir a boca. Comunicar – como recorda Byung-Chul Han – também implica «abrir os ouvidos, ou seja, escutar».
Não é, pois, o silêncio que suspende o diálogo. É o ruído que está a banalizar a palavra. Com Enrique Vila-Matas, continuamos a «acreditar no poder da palavra». Sucede que, «quando se dizem muitas coisas ao mesmo tempo, acabamos por suspirar pelo inverso».
É por isso que, hoje em dia, «o silêncio vale mais do que qualquer palavra». À força de repetirmos palavras atrás de palavras, esvaziámo-las totalmente: «Perdemos a ideia do que realmente significam».
Decidida e desgraçadamente, somos a geração que, por uso desmesurado e descontrolado, está a agredir o verbo e a torpedear a comunicação.
Embrulhamos as palavras em ruído e empurramos a escuta para a gaveta das arrumações, das coisas que não usamos. Queremos ser a geração dos «verbicidas», que eliminam – por vulgarização – as palavras e o seu sentido?
Nas nossas sociedades – adverte Christoph Theobald –, «há muitas “pessoas afásicas”», embora não parem de falar.
Mas as suas são palavras que já não despertam, já não convencem, já não conseguem dizer.
Eduardo Lourenço – que inseminava as palavras num silêncio quase monacal – defendia que «só nesse espelho, num silêncio absoluto, é que cada um de nós descobre aquilo que conta ou que não conta».
E para que não restem dúvidas: «Tudo o resto é supérfluo».
Talvez ainda não tenhamos percebido que estamos a ser engolidos por «um cansaço que só deseja silêncio, aquele em que se pode dormir, ler, pensar».
Daí que – voltemos a Byung-Chul Han – se imponha «fazer desaparecer o “eu ruidoso”, com o seu domínio, com a sua pressão».
A própria crise religiosa é «uma crise de atenção», que gera um défice de contemplação. «Hoje, a alma já não ora».
Juntamos pessoas e carregamos nos sons. Até os espaços sagrados se tornaram afanosos produtores de ruído.
Quando entenderemos que «escutar é o verbo primordial da religião»?
Só «o “eu” que escuta consegue mergulhar no todo, no ilimitado, no infinito». É nos grandes silêncios que fermentarão, de novo, os mais inspiradores ensinamentos.