1. Esta frase do General William T. Sherman (também empresário e escritor), norte-americano, faz parte deste excerto: "Somente aqueles que nunca deram um tiro, nem ouviram os gritos e os gemidos dos feridos, é que clamam por sangue, vingança e mais desolação. A guerra é o inferno". Ora hoje, sobretudo hoje, vivemos neste inferno. Após o ataque terrestre e aéreo, sem precedentes, perpetrado pelo grupo militante Hamas contra as populações indefesas israelitas, o governo de Israel declarou formalmente o estado de guerra e o mundo somou mais um conflito bélico a uma lista que não pára de crescer. Em Setembro, há cerca de dois meses, o Exército do Azerbaijão lançou uma ofensiva em Nagorno-Karabakh, combatendo a etnia arménia num território disputado (continuação da guerra travada em 2020). Em 2022, quando o mundo saía da pandemia de Covid-19, a escalada das tensões entre a Rússia e a Ucrânia teve o pior desfecho: a invasão russa e o surgimento de um conflito armado convencional e de grande escala no coração da Europa, que permanece – a que dedicámos vários artigos. E o mundo sofre ainda os efeitos da Guerra na Síria (iniciada em 2011), que afectou em cheio a população civil (mais de 24 milhões de pessoas nos primeiros cinco anos), e que ainda não terminou. A Guerra civil no Iémen (os rebeldes hutis, em 2014, expulsaram o governo da capital, Sanaa, iniciando uma guerra civil que continua até hoje), em que dum lado estão esses rebeldes xiitas (com o apoio do Irão), do outro as forças sunitas leais ao Governo (apoiadas pela Arábia Saudita), que originou – como as anteriores – mais uma gravíssima crise humanitária (esta já dizimou cerca de 20 milhões à fome, além duma nação destruída).
Ocorre-me, neste panorama trágico, o trecho que vinha nas Antologias selectas da disciplina de Português, na nossa adolescência, do Padre António Vieira (1668, há mais de 350 anos), que, embora na linguagem do tempo, é perene: "É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais consome, tanto menos se farta. É a guerra aquela tempestade terrestre que leva os campos, as casas, as vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as calamidades em que não há mal nenhum que ou se não padeça, ou se não tema, nem bem que seja próprio e seguro: […]" – seguindo-se um elenco de tais bens. Outro não é o pensamento do Papa Francisco, quando afirmou que "toda a guerra é uma derrota".
2. Atendo-me ao conflito mais recente, de 7 de Outubro, sobre o qual já muito se disse e escreveu, da insanidade do ataque a Israel (disparo de mais de 3500 mísseis, alvejando civis, e infiltração de terroristas assassinando cidadãos brutalmente, indo ainda de casa em casa matar friamente e capturando civis), não pretendemos mais que aludir a uma entrevista do filósofo norte-americano Michael Walzer, Professor Emérito do Instituto de Estudos Avançados de Princeton (88 anos), intitulada “A guerra de Israel é justa?”, concedida este mês ao jornal Le Figaro. Ora, Walzer é autor de uma vasta galeria de livros (30), entre os quais, As Esferas da Justiça: uma defesa do pluralismo e da igualdade (1983), que o celebrizou, do conhecido Tratado sobre a Tolerância (1997), do clássico Guerras Justas e Injustas (de 1977, reeditado em 1997, 2000, 2006 e 2015), que vem a propósito.
Nesta última obra, Walzer recorre a alguns conceitos para definir as condições de uma guerra justa – ‘jus ad bellum’ (justiça do guerrear) e ‘jus in bello’ (justiça no guerrear) e ‘jus post belum’ –, cada um deles relativo a uma fase específica do conflito. A conceptualização mostra que o autor remonta a uma longa tradição teórica, desde os textos de Tucídides e Cícero, passando pela Escolástica (S. Agostinho e S. Tomás), o Renascimento (a figura incontornável de Maquiavel), os expoentes do jusnaturalismo (Hugo Grócio, Francisco de Vitória, Francisco Suárez, Thomas Hobbes), sem esquecer o contributo iluminista de Kant. O escopo é aferir sobre os requisitos que devem ser preenchidos, nos nossos dias, para que uma guerra, no seu todo, possa dizer-se justa; para isso, uma guerra é julgada em cada fase, desde logo sobre os motivos que os Estados têm para lutar, depois dos meios que adoptam; o primeiro tipo de juízo é de índole adjectiva (dizemos que uma guerra é justa ou injusta), o segundo é adverbial (dizemos que a guerra é travada de modo justo ou injusto).
3. Na entrevista supracitada, Walzer inicia-a assim, referindo-se ao ataque de 7 de Outubro: "Não foi um ataque militar, foi um massacre, e acho importante chamá-lo por este nome. Perante isso, era necessária uma resposta; os perpetradores tiveram que ser punidos e garantir que nunca mais seriam capazes de fazer algo assim novamente. O ataque do Hamas foi um ponto de partida cujo objectivo era – penso – iniciar uma guerra". Voltaremos à entrevista.
O autor não escreve segundo o denominado “acordo ortográfico”