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«Quem sou eu?» ou «Para quem sou eu?» (um «para» que faz toda a diferença)

Parece que a prolongada «noite do mundo» (Martin Heidegger) nos amolece, entorpece e anestesia. 
Quando despertaremos da sonolência hiper-individualista que ameaça esgarçar a consciência de que nada somos sem os outros?

Com o mundo delapidado por guerras e atentados, ainda nos rebolamos num interminável – e insidioso – «culto do eu». Até a perguntar, vogamos no egocentrismo mais solipsista e pueril.
Continuamos a gastar a vida para encontrar uma resposta para a pergunta que consideramos decisiva: «Quem sou eu?». 

O ego hiperboliza qualidades que, porventura, nem possui. Alguma vez saberemos, só por nós, quem somos nós?
Nietzsche teve a hombridade de reconhecer que «o homem é o ser mais distante de si mesmo». E, muito antes, Santo Agostinho percebera que se tornara «um terreno de dificuldades». 

Como em si não encontrava fundamento para si, o génio de Hipona transitou pela via que lhe permitiu bater à porta certa: «Que eu me conheça, Senhor, como por Ti sou conhecido».
O Concílio e São João Paulo II garantem que só Jesus Cristo, «o Verbo encarnado, revela o homem ao homem». Pelo que tenho de sair de mim para conhecer o que se move em mim. Na linguagem do Papa Francisco, diria que devo ser um «eu em saída».

Por conseguinte e como alerta Pierangelo Sequeri, só amadureceremos quando deixarmos de insistir na pergunta «Quem sou eu?». E, no seu lugar, formularmos a pergunta «Para quem sou eu?».
Esta emerge, cada vez mais, como a pergunta decisiva para nos tornarmos adultos e estabelecermos um intercâmbio fecundo com os outros.

Eu não sou senhorio de ninguém; eu deverei estar disponível «para» todos.
Se me limito a ser «para» mim – e se constranjo os outros a serem «para» mim –, jamais me distanciarei dos umbrais da hostilidade e do conflito. 

O egocentrismo está a rebocar a humanidade para a opção o «mau» e o «muito pior». 
A insistência na pergunta «Quem sou eu?» – prossegue Sequeri – «leva à obsessão por uma resposta que o ego não consegue dar: gera frustração, melancolia, angústia e desespero». Daí que a alternativa – e o princípio da sabedoria – consista em perguntar «Para quem sou eu?».

Esta é a pergunta que «abre fronteiras, inaugura a aventura, torna-nos viandantes de horizontes surpreendentes e cria relações frutíferas».
É deste modo que descobriremos que «as nossas qualidades se aperfeiçoam quando procuramos um destino digno para os outros e com os outros».

Acresce que, com os outros, «aprenderemos muitas coisas sobre nós mesmos: muitas coisas que nunca ousamos sequer imaginar».
Basta prestar atenção ao mais elementar. Se somos feitos «por» outros, é manifesto que somos feitos «para» os outros.

Notaremos igualmente que a felicidade – como salienta Armando Matteo – «nunca se declina no singular».
Onde está, pois, a felicidade? Em dar felicidade. Apenas e sempre!

João António Pinheiro Teixeira

João António Pinheiro Teixeira

21 novembro 2023