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A China e o Mundo Lusófono: feitos e perspetivas sobre o que falta cumprir

 A 19 de outubro de 2023 terminou, em Pequim, o 3.º Fórum da Iniciativa Faixa e Rota. Trata-se de um projeto composto por corredores terrestres e marítimos, apresentados pelo Presidente chinês Xi Jinping em setembro de 2013 no Cazaquistão, e em outubro de 2013 em Jacarta, respetivamente. Inspirado na Antiga Rota da Seda – que nos tempos mais remotos da China milenar ligavam Oriente e Ocidente – o projeto da Faixa e Rota tornou-se a grande bandeira da política externa chinesa sob Xi Jinping. Desde 2013 que mais de 150 países decidiram aderir à Iniciativa que comemorou recentemente uma década de existência. Contudo, a audiência foi modesta. De facto, quando comparado à edição de 2019 onde estiveram 37 chefes de Estado, o 3.º Fórum contou com a presença de apenas 23 líderes. Ainda assim, foram assinados 458 acordos no valor de 97,2 mil milhões de dólares, tendo China reiterado o seu empenho na construção de uma “economia global aberta” e de uma “economia digital com um ambiente não discriminatório”. Não menos importante foram as promessas do Presidente chinês em reforçar o “comércio transfronteiriço e o investimento nos serviços; expandir o acesso ao mercado de produtos digitais”; e em “reformar as empresas estatais e grupos que atuam na economia digital, os direitos de propriedade intelectual e os contratos públicos”.

 Embora a economia seja preponderante, a dimensão geopolítica da Iniciativa não fica atrás na medida em que a ambição de transcender as diferenças culturais e os níveis de desenvolvimento no mundo espelha a intenção de Pequim em esboçar uma ordem alternativa à do Ocidente, que considera obsoleta. Num contexto em que a confiança mútua entre Bruxelas e Pequim é negativamente afetada pela postura ambígua da China face à invasão russa da Ucrânia, são sobretudo os países em desenvolvimento que percebem na China a timoneira de uma nova ordem mais justa. 

No que aos países lusófonos respeita, Xi Jinping acredita que a Faixa e Rota é compatível com a re-industrialização do Brasil, já que este beneficia em diversificar a sua economia para não estar exclusivamente dependente das exportações de commodities. Por outro lado, a China apoia a organização, por parte do Brasil, quer da Cimeira de Líderes do G20 em 2024, quer da 30.ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas em 2025 (COP-30). A relação entre ambos atravessa uma época histórica importante. Com efeito, 2023 marca o 30.º aniversário do estabelecimento da parceria estratégica entre Brasil e China, enquanto em 2024 as partes celebram o 50.º aniversário de relações diplomáticas. 

Um exemplo interessante do reforço da cooperação sino-brasileira é o da empresa estatal chinesa Citic Group que ocupa o 35.º lugar na lista das 500 empresas chinesas mais importantes. O Citic Group anunciou recentemente a sua intenção em converter 40 milhões de hectares de solos degradados em áreas agrícolas produtivas.

Do outro lado do Atlântico, Angola é outro país lusófono com quem a China tem cooperado em vários setores. Sublinhe-se o anúncio recente da assinatura de um contrato entre a China National Chemical Engineering Co. para a construção de uma refinaria no Lobito, há muito adiada, no valor de 6 mil milhões de dólares. Embora Angola seja um dos principais abastecedores petrolíferos da China, o Estado angolano almeja alcançar a autossuficiência em combustíveis refinados, como a gasolina, o gasóleo e o gás de petróleo liquefeito.

No seguimento dos 10 anos de Faixa e Rota chinesa que se comemoraram recentemente, faz sentido equacionar o retomar de um maior dinamismo nas pontes entre o Mundo Lusófono e a China, que havia sido minado pelo isolacionismo da presidência Bolsonaro. Mas mesmo aqui importa ter cautela na avaliação. Se há espaço conhecedor de assimetrias é o Lusófono. Por um lado, a cooperação sino-portuguesa já viveu melhores dias antes da Guerra na Ucrânia. Por outro lado, o Fórum Macau não deixa de ser o símbolo de um multilateralismo interessante que não conheceu, todavia, todo o seu potencial em virtude de uma postura mais passiva do que ativa entre o Mundo Lusófono e a China. Embora o Brasil de Lula da Silva ambicione recuperar a imagem de um Estado ativo na defesa do Sul Global através de uma cooperação frutífera com a China, o Fórum Macau – e a promessa de uma realização por cumprir que lhe subjaz – tem sido contornado pelo exercício do bilateralismo entre Brasil e China. Além de não necessitar de interlocutores, este não é nem condicionado pelo fator OTAN, nem pela essência de uma parceria estratégica entre a UE e a China, que de ‘estratégica’ verdadeiramente nada teve até hoje, e cuja recente estagnação está refém da ambiguidade da China a respeito da invasão russa. Feitas as contas, Brasil e China têm o caminho relativamente livre e, como reza a história, são velhos aliados na defesa do mundo em desenvolvimento. Ora, o Mundo Lusófono necessita de superar primeiro os entraves que não lhe permitem beneficiar, por ora, da realização plena da lusofonia. Só depois faz sentido procurar, através do Fórum Macau, maximizar ganhos face ao que do Oriente se avizinha promissor.

Paulo Afonso B. Duarte

Paulo Afonso B. Duarte

21 novembro 2023