Precisamos todos de boas notícias. Esta necessidade faz com que, em países diversos, alguns jornalistas procurem, nos interstícios da actualidade, ocorrências e protagonistas susceptíveis de oferecerem algum ânimo aos consumidores de informação. Certos jornais têm mesmo newsletters especificamente dedicadas a boas notícias. Em Espanha, o jornal El País tem o “Correo sí deseado”; em França, o diário Le Monde apresenta “Le «fil good» du Monde”; e, em Itália, o Corriere della Sera divulga “Buone Notizie”. Enviadas à segunda-feira, as newsletters oferecem a cada semana um horizonte auspicioso.
Quem tivesse lido, na segunda-feira de manhã, as “Boas Notícias” do Corriere della Sera, a primeira das newsletters a ser difundida, à espera de tomar a dose semanal de optimismo, ficava severamente decepcionado. Não é que não houvesse notícias agradáveis. Uma invenção simples de um jovem indiano que poderá facilitar a tarefa de os doentes de Parkinson se alimentarem é, por exemplo, bastante promissora.
A razão do abalo encontrava-se antes, logo no início de “Boas Notícias”. A missão de as divulgar não era aí cumprida. A celebração amanhã do Dia Universal dos Direitos da Criança proporcionou a oportunidade para quebrar a regra, dando más notícias. Péssimas notícias, as destes dias. “Em Gaza, morre uma criança, sob as bombas israelitas, a cada dez minutos”, escreve o jornalista Andrea Nicastro [1], acrescentando que as coisas talvez sejam piores para as crianças que sobreviverem. “Os filhos da guerra ficam traumatizados, perdem anos de escola e o pior risco de todos é perderem o futuro antes mesmo de tentarem construí-lo. Vivem, mas condenados à ignorância, à carência afectiva e à pobreza”.
As crianças lembradas por Andrea Nicastro são as que as guerras vitimam, condenando-as à morte ou a uma vida sem futuro. O jornalista pede que se olhe para outras desgraças: “Olhem para o Afeganistão. Quase dez gerações perdidas para o futuro, condenadas a empregos pouco qualificados ou a perpetuar o ciclo de violência tornando-se soldados. O único emprego disponível para muitos. Olhem para o Iraque, as gerações pós-Saddam Hussein queimadas pela guerra civil e pela instabilidade que está longe de terminar. Olhem para a Líbia pós-Kadhafi. A África onde a corrida aos recursos naturais transforma as crianças em soldados ou mineiros. Olhem para Myanmar, os Rohingya de Cox’s Bazar, o maior campo de refugiados do mundo no Bangladesh. Por toda a parte, encontrarão multidões de crianças sorridentes, brincalhonas, vitais, como são todas as crianças, mas condenadas a uma vida infame e a procriar outras gerações sem esperança como elas”.
Era assim, com estas más notícias, que “Buone Notizie” começava. Andrea Nicastro reparava no porvir provável destas crianças. “O que queres ser quando fores grande? Soldado. O único modelo ‘triunfador’ que tiveram a oportunidade de conhecer”. O jornalista tem razão quando diz que “a guerra não é apenas uma tragédia hoje, é o desastre de amanhã se não se for capaz de uma reconstrução imediata. As infraestruturas, as redes sociais e um clima de serenidade que cure as feridas da mente e dê força aos projetos”. De facto, “os filhos da guerra são as vítimas das vítimas”. Como Andrea Nicastro sublinha, se não morrerem, têm, com elevada frequência, a vida marcada. “Não é justo. Por eles, mas também pelos nossos valores e pelo nosso futuro. Não é conveniente ver crescer aqueles que são incapazes de evitar o ódio”.
Precisamos, tanto, todos, de boas notícias. E, no entanto, elas não têm chegado ou chegarão demasiado tarde para demasiadas crianças.
[1] O cálculo tinha sido oficialmente apresentado dias antes pelo director-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus (“A child killed on average every 10 minutes in Gaza, says WHO chief”. Reuters, 11 de Novembro de 2023. Disponível em: https://www.reuters.com/world/middle-east/child-killed-average-every-10-minutes-gaza-says-who-chief-2023-11-10/).