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Contra a atual designação de Turismo Porto e Norte

Nunca concordei com a denominação que, em 2013, foi atribuída à região de turismo do Norte de Portugal. Tratou-se de uma imposição de Lisboa que mereceu o aplauso do Porto e a indiferença da restante província. Pois bem, não vejo por que razão o Porto tenha de ser discriminado positivamente na denominação social e na promoção do respetivo portal da internet. Desta forma se replica no Porto o que há séculos se diz de Lisboa: «Portugal é Lisboa, o resto é paisagem!» Quando a retórica governativa repisa chavões como o da coesão territorial, cava-se um fosso entre a cidade do Porto e o restante território onde a mesma se integra com o seu rico e diversificado património.

O Grande Porto, para falarmos assim, tem mais gente do que qualquer outra sub-região do Norte do país; no entanto, não tem mais poder económico do que a sub-região do Quadrilátero Urbano (Braga, Guimarães, Vila Nova de Famalicão e Barcelos), nem tem a história de uma cidade multimilenar como Braga. Sendo assim, a denominação turística Porto e Norte não faz jus à identidade política, económica e histórica de um território cuja ocupação humana remonta há mais de 300.000 anos!

Muitos dizem que Portugal nasceu no Norte, mas poucos sabem que nasceu nos montes, e não nos portos marítimos, que não ofereciam segurança às populações. Os portos eram dos comerciantes, que aí faziam troca de mercadorias; mas os montes eram do povo, no cimo dos quais construiu grandes citânias amuralhadas durante as Idades do Bronze, do Ferro e até à romanização. O noroeste peninsular teve uma das maiores concentrações de castros da Europa, razão por que Roma só ao fim de duzentos anos, e com inomináveis sacrifícios impostos às populações autóctones, é que conseguiu tomar posse da Galécia: batalhas sangrentas, despejos violentos, mortes de mulheres e crianças... Enfim, uma brutalidade! Os calaicos tinham, por fim, perdido milhares de anos de liberdade, eles que amavam os seus montes, as suas florestas, os seus animais, os seus rios, os seu ritos, as suas festas...

A cidade de Braga foi de tal modo importante nesse longo período pré-romano, pois era o ópido dos Populi Bracari que dominavam a vasta região do Minho, que o grande geógrafo grego Claudio Ptolomeu (séc. II d.C.) disse na sua Geografia que Braga já existia antes de os romanos terem conquistado a cidade. Ao longo de muitos milhares de anos, estes povos castrejos estabeleceram as suas vias de comunicação, presume-se também que os seus sistemas de governo, pelo que Braga não foi fundada pelos romanos, mas refundada ao modo romano, o que é significativamente diferente. Dizer que Braga tem 2.000 anos é um grave atentado à sua história castreja, já para não dizermos, à sua história paleolítica, da qual pouco sabemos, por não termos suficientes marcas arqueológicas. Mas castros temo-os às centenas!

Braga (com a ação dos seus arcebispos – D. Paio Mendes, D. João Peculiar, D. Godinho Soares) contribuiu de modo decisivo para a fundação de Portugal e durante vários séculos foi epicentro da vida cultural e religiosa do país. Nesta cidade, o apóstolo S. Tiago instituiu o presbítero cristão Pedro de Rates como primeiro bispo da Península Ibérica, daí a razão por que os arcebispos de Braga passaram a ser chamados de primazes, mas também S. Martinho criou a primeira biblioteca monacal em Dume, da qual irradiou o humanismo martiniano por toda a península, enquanto fermento da primeira renascença europeia. É de Braga que parte Paulo Orósio, o primeiro filósofo cristão da história, ao encontro de Santo Agostinho, e também de Braga partem para a Palestina os chamados dois Avitos, célebres heterodoxos da escola platónica. A importância de Braga no plano cultural e religioso é insofismável. Merecia ser chamada «Terra Santa de Portugal», e não só pelos seus bispos santos: S. Martinho Dumiense, S. Frutuoso, S. Rosendo, S. Geraldo, S. Bartolomeu dos Mártires.

Por tudo quanto fica dito, e por tudo quanto fica por dizer, que o novo governo da república revogue a denominação de Turismo Porto e Norte, e a substitua por Região de Turismo do Norte de Portugal. Para não ficar a dever à justiça. E que coloque a sua sede em Braga!

Fernando Pinheiro

Fernando Pinheiro

18 novembro 2023