Nestes últimos quatro anos, fomos obsessivamente brindados, lembrados e assustados, nas televisões e jornais, com a pandemia COVID-19, depois com a Guerra na Ucrânia e agora com a “guerra” entre Israel e o grupo Hamas.
Três guerras maiores (em 1948, no ano da fundação do estado de Israel, com o patrocínio da ONU, depois em 1967 e em 1973) e algumas mais abreviadas entre Israel e os palestinianos, enquadrados por países árabes, atravessam um já longo período de três quartos de século.
Agora, na designada guerra entre Israel e o grupo Hamas, percebemos, uma vez mais, que é muito difícil vivermos “sossegados no nosso quintal”. Depois de violenta e barbaramente atingido a 7 de outubro, Israel está a ripostar sobre a Faixa de Gaza, com o propalado intuito de destruir os terroristas do Hamas. Os danos colaterais dos contra-ataques israelitas são notoriamente pesados, atenta em particular as muitas baixas entre civis palestinianos e a degradação das condições humanitárias de uma população que não pode coletivamente ser tratada como terrorista.
A ONU continua, no essencial, a exibir a sua impotência para amaciar ou travar o conflito, o que não surpreende os mais atentos. Desde a sua criação (1945), a ONU tem conseguido mais protagonismo e eficácia no respeitante a ações mitigadoras da fome ou subdesenvolvimento (material ou educacional) no mundo do que na placagem de conflitos armados. Mas não se poderá assacar muita responsabilidade aos sucessivos secretários-gerais da ONU, na impotência revelada para erguer a paz pelo mundo, pois a robustez da sua ação depende sempre da boa vontade das grandes potências, que detêm um lugar permanente no Conselho de Segurança e o direito de veto nas deliberações deste órgão.
Depois da queda do Muro de Berlim e da implosão da URSS (1989-91), a ONU tomou um brilho inusual, alimentado pela boa vontade de uma América vitoriosa na Guerra Fria. Em 1991, o Conselho de Segurança da ONU patrocinou um ataque ao exército iraquiano (levado a cabo por uma ampla coligação internacional liderada pelos EUA), que ocupara o Koweit, um estado vizinho soberano. Em 1999-2002, a ONU conseguiu agregar apoios (EUA e outros) para viabilizar a independência de Timor.
Todavia, em 2003, cego pela humilhação do “11 de Setembro de 2001”, o então presidente dos EUA, George W. Bush, não obstante a oposição de vários aliados europeus na NATO, decidiu invadir o Iraque sob a alegação (falsa, provou-se) de que este país possuía armas de destruição maciça, que representariam uma ameaça para os EUA e para o mundo. Então, George W. Bush verbalizou sonoramente que a ONU, que não validara este novo ataque americano ao Iraque, era “irrelevante”. Desde então, o assomo de vitalidade da ONU saiu fragilizado.
Recentemente, em 24 de fevereiro de 2022, a Rússia, também membro permanente do Conselho de Segurança, desencadeou uma invasão, meio falhada até agora, sobre a Ucrânia. A ONU, uma vez mais, pouco pôde fazer.
No respeitante ao conflito entre Israel e o Hamas em Gaza, quando António Guterres soltou que o ataque do Hamas de 7 de outubro “não surgiu do vácuo” (não obstante a também denúncia do mesmo ataque no seu discurso) diminuiu o potencial papel da ONU na mediação do conflito, atenta a animosidade que criou no governo de Israel, que leu estas palavras como uma justificação do massacre de civis judeus nesse dia.
Uma solução de paz apoiada na existência de um estado palestiniano ao lado de Israel persiste a aposta dos moderados dos dois lados, mas até agora, lamentavelmente, não se impôs.
Importa não esquecer o título desta crónica. Já quase ninguém fala da Guerra da Ucrânia. Se não foi o grande planeador e incentivador do ataque do Hamas de 7 de outubro sobre Israel, a Rússia sobrevém, indiscutivelmente, como a grande ganhadora. Nos EUA, na União Europeia e até na NATO, a despeito de todos os desmentidos, a preocupação instante, maior, já não é com a guerra na Ucrânia, mas com este conflito no Médio-Oriente, com grande potencial para irradiar numa guerra mais alargada. Na guerra entre Israel e o Hamas, com danos graves nos dois lados, sem disparar um tiro, a vitória está a sorrir a Moscovo.