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Depois das rentrées (2)

 

O Parlamento já começou a funcionar e já agendou alguns trabalhos, entre os quais a discussão da moção de censura do Chega ao Governo. Mas, antes de abordar em breves linhas este tema, começo pelos outros que vêm detrás e que continuam a motivar preocupações.

 


3. A guerra surda e muda entre o Governo, professores, médicos e oficiais da justiça

 


Os profissionais continuam determinados e a teimar nas reivindicações. Dos dois últimos grupos profissionais já se anunciaram avanços. Mas os anúncios de medidas não vão, e o Governo já deve ter percebido, impedir futuras greves, apesar de terem sido enunciadas soluções pelos titulares das pastas ministeriais, com destaque para os médicos. Aos oficiais de justiça foi prometido que estava para breve a tão aguardada legislação que os hão-de retirar da cepa torta e que bom seria que aquele viesse de encontro com as reivindicações para que a justiça possa enveredar pela celeridade que tem faltado. Da parte do Ministério da Saúde foram anunciadas decisões remuneratórias importantes, contudo, as questões em aberto não permitem fechar a operação em curso. Pelo menos os médicos de saúde familiar não estão dispostos a aceitar mais doentes por conta de mais salário e têm razão para a sua resistência. São muitos os que já não têm tempo para atender todos os que estão a seu cargo e acrescentar outros que o ministro faz questão de incluir seria desastroso. E sobre isso, há uma ou duas semanas, na tentativa de esvaziar a razão dos clínicos, o Ministério da Saúde mandou fazer uma limpeza dos ficheiros de utentes e cortou a torto e a direito. Claro que não faz sentido que figurem nas listas de utentes pessoas que faleceram ou que não utilizem o Serviço Nacional de Saúde, mas o corte não se ficou por esses. A Lina, por exemplo, com consulta mensal agendada no Centro de Saúde do Carandá, viu cortada a sua ligação ao médico de família na última vez que lá precisou de ir e o motivo que lhe foi dado é que não tinha a data de validade do cartão da ADSE actualizada. Na verdade, nunca lhe tinha sido pedida tal actualização e nem se percebe o que é que isso tem a ver com o acesso ao médico de família. Se não fosse beneficiária da ADSE não tinha direito a ter médico de família? A operação cega e desesperada de limpeza de ficheiros foi profunda, talvez para dar a ideia de que os médicos de família têm disponibilidade para aceitar mais doentes ainda antes da proposta de receberem em função da produtividade, o que significaria, na prática, diminuir o tempo de consulta com os seus doentes. Quando em Fevereiro próximo me dirigir ao mesmo Centro de Saúde, de certeza que também não vou ter a minha inscrição activa no médico de família pela mesma razão, apesar de ter estado lá em consulta ainda no mês de Julho. Se é esta a reestruturação que está em curso nos Centros de Saúde do país, é muito pouco. Talvez o ministro e o Governo queiram afirmar que, afinal, não há milhão e meio de portugueses sem médico de família, mas isso não vão conseguir. A verdade é que não conseguem reter os clínicos no Sistema Nacional de Saúde porque não lhes dão condições como as que lhes são oferecidas pelos grupos privados de saúde e há muito que isso se sabe. Já se sabia quando o primeiro governo de António Costa entrou em funções há oito anos, que sobre isso nada fez e agora, mesmo que tenha vontade para sarar a enorme ferida que existe, talvez seja tarde demais. Será que o Partido Socialista quer mesmo fazer vingar o SNS que um dos seus eminentes militantes criou? Não parece! Não se desculpe com o aumento da população nem com outras coisas sem sentido. O Governo tem é assobiado para o lado e não planeou quando devia, sendo que essa fama e esse proveito ninguém lhos vai retirar, mesmo que pense que a retórica é tudo na política e que o eleitorado vai continuar a alinhar na cantiga sem contestar. 

(continua na próxima semana)

Luís Martins

Luís Martins

19 setembro 2023