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Dá que pensar

 

 

 

 

 

 Pode um ano letivo começar sem professores? Pode um jogo de futebol começar sem jogadores ou uma competição atlética pode iniciar-se sem atletas? As respostas são tão óbvias que formulá-las seria uma ofensa à inteligência de todos nós. Mas se é fácil adiar um jogo de futebol ou um certame de atletismo, o mesmo se não dá com a falta de professores porque estes são a base de um constructo educativo pessoal que se reflete na construção de uma sociedade. Ninguém aprende sozinho e, mesmo quando as bases lhe permitem ser autodidatas, há sempre no autodidatismo buracos de conhecimentos insanáveis. Como podemos ter os professores necessários para a docência nacional, principalmente para as localidades onde o nível de vida se torna incompatível com os vencimentos atribuídos aos docentes? Podemos arranjar mil explicações, podemos esgotar a imaginação na busca de soluções que o fundamental é este: um professor não ganha para poder viver, mesmo no limite da pobreza, em Lisboa, Porto, Algarve e sabe-se lá onde mais. Porque assim é, a falta de professores pode generalizar-se. Isto é a realidade, não adianta fechar os olhos ou tapar os ouvidos. Um professor não pode viver onde faz falta, porque só a renda de casa lhe absorve dois terços ou mais do ordenado. Então só há uma maneira de resolver este beco sem saída: é atribuir aos docentes que queiram ser colocados em locais onde as rendas são incomportáveis, subsídio de residência. Já houve casa para professor, no antigo regime, em locais onde não havia casas para arrendar. Foi assim que, onde havia escola, tinha de haver um professor. Se não houver uma política de incentivos monetários de renda de casa, o deserto nem sequer pode ter oásis. O problema põe-se na atualidade, mas coloca-se outro nível bem mais perigoso ainda que em fase larvar: a docência não é atrativa para ninguém e a fonte de recrutamento pode secar. Se a docência é imprescindível a qualquer desenvolvimento social, e se existe uma crise profunda de fixação de docentes e de recrutamento de novos candidatos a professores, então o problema assume dimensões que dá que pensar. Mas não demorem a concretizar aquilo que é inevitável. A falta de professores é uma doença que, silenciosamente, se pode transformar num cancro. Deveria ser espantosamente trágico que no Mundo se dissesse: Portugal é um país onde quase ninguém quer ser professor. Não riam; as tragédias fazem chorar.

 

 

Paulo Fafe

Paulo Fafe

18 setembro 2023