A missão, constitutiva do ser cristão, interpreta-se de variadíssimas maneiras. Continuarei a ter subjacente ao que escrevo a certeza de que a missão é impulso para a ação e que, sem esta, aquela pode tornar-se num conceito rico e estar de acordo com o mandado de Cristo, o qual enviou os discípulos a percorrer as estradas do mundo para ensinar. Somos enviados, saímos dos nossos confortos, humanos e espirituais, e partimos para o encontro, que está presente naquilo que dizemos e, sobretudo, no que fazemos. A palavra terá de ser sempre anunciada; se assim for, a ação missionária terá uma carga muito mais interpelativa e convidativa.
Tenho uma predileção por duas palavras usadas pelos dois últimos Papas. Merecem muita reflexão e alteração de comportamentos. O Papa Bento XVI dizia que esta atitude de convite à interpretação na Igreja teria de acontecer por “atracção”. Já na comunidade primitiva de Jerusalém, aqueles que não acreditavam em Cristo, nem aderiam às exigências da comunidade, viam-se obrigados a reconhecer: “Vede” como eles se comportam. Eram iguais a todos: perdiam-se nas cidades como todos; exerciam as mesmas profissões, mas eram como a “alma” no corpo. Pela sua forma de ser e de estar no meio das cidades, interferiam e mantinham viva a sociedade. Não tinham “ghettos”, nem criavam “colónias”. Com a sua palavra, ou apenas com o seu o silêncio, atraiam muitos, e o número dos que acreditavam crescia de dia para dia.
Já o Papa Francisco usa outro vocábulo diferente. Perante o mundo adverso, a missão de apelo à conversão deveria acontecer por “transbordamento”. Antes, e acima de tudo, o cristão deixava-se possuir por Cristo e pela Sua doutrina. Repletos de valores e de verdades, muitas vezes antagónicas, atraiam porque transbordavam, fazendo com que todos vissem; e, por vezes, a vida teria ser silenciosa no meio da potência dos outros comunicadores. Caminhar no meio de todos sem marginalizar ninguém e, sempre repletos do Senhor que os havia encantado, tocavam-lhes o coração, fazendo com que mudança acontecesse. Sabemos e experimentamos esta “técnica”, e deverá ser ela marcar o futuro da missão evangelizadora: menos palavras e mais silêncio, carregado de um sinal de divino que questiona, atrai e motiva a adesão.
Há outras características que a ação missionária terá de possuir: teremos de nos consciencializar de que a mudança tem, necessariamente, de acontecer. Trata-se de nos convencermos da urgência da ação missionária em todas as terras, mas também no nosso Minho, que ainda pode enganar-nos um pouco nas solenidades ou peregrinações. Não exagero quando afirmo que a maioria das pessoas caminha e vive como se Deus não existisse. Ainda temos igrejas cheias, outras vezes semivazias, e as cores grisalhas dos cabelos já denotam muita coisa. Há jovens formidáveis, mas em número reduzido. Depois, chega-se a uma idade em que parece não haver gente. Não aparecem, ou então caminham fora de uma normalidade moral que já nem se questiona sobre a realidade do sacramento matrimonial. Não é o momento para mais análises de índole sociológica, uma vez que um facto que ninguém ignora. Porém, há questões que não deixam de me preocupar: como será o cristianismo no futuro? Como se comportarão as nossas comunidades daqui a dez/vinte anos? Não poderá ser esta situação que, presentemente, nos deve aterroriza: devemos, antes, sair urgentemente das Igrejas e começar a agir de um modo diferente. Sabemos que não foi o cristianismo que perdeu a sua vitalidade; foram os cristãos é que se deixaram adormecer e que permitiram esta situação. Muitos querem atribuir a culpa a fatores externos, nomeadamente à comunicação social e às redes digitais. É certo que não os podemos ignorar, mas o mal reside na tibieza da fé e na apatia dos valores das comunidades. Quanta reflexão terá de ser feita individualmente para podermos regressar a uma normalidade que, contudo, jamais será igual aos tempos que já vivemos. Estávamos instalados (e alguns parecem ainda estar) num ambiente de cristandade; respirava-se um ambiente marcado pela moral católica e pelos princípios canónicos; a sociedade era toda ela igual, e todos seguiam as mesmas estradas de hábitos e rotinas. Porém, quer queiramos, quer não, esse tempo já passou, e os especialistas em pastoral procuram encontrar nomes para o caracterizar. Talvez encontremos, mais tarde ou mais cedo, um nome que todos aceitem. Hoje basta falar na pós-cristandade e reconhecer que tudo se alterou.
Neste novo contexto, a missão terá de encontrar formas e processos diferentes. É inútil repetir. Ainda há coisas que “juntam” as pessoas, mas propor modos que convertam os corações vai dar muito trabalho. Por outro lado, não é com o desânimo ou com a perda de coragem que realizaremos algo de válido. Só a união de todos na reflexão, na oração e no compromisso da experiência permitirá avançar e mostrar que Cristo é de ontem, de hoje e, principalmente, de sempre.
Esperemos que o Sínodo acabe com a anemia missionária e nos faça correr com mais alegria e testemunho. Uma coisa é certa: se a Igreja parece estar à deriva, o mundo não está. É grande a insatisfação e a procura de algo novo. Só uma espiritualidade de índole sinodal encherá os corações de muitos que já começam a denominar-se procuradores de Deus.
Este modo novo de ser missão terá de acontecer no mundo. Sair não pode ser palavra ocasional do Papa Francisco; ela ficará como programa para as próximas décadas. Outrora, fomos ao encontro de outros continentes; hoje, teremos de cultivar o encontro e evangelizar com os vizinhos e conhecidos.