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Sobre o tal vírus e a necessidade de mudança

O anúncio que António Costa fez há dias sobre a existência de um vírus de populismo na política nacional não é nada de novo, apesar de ser preocupante. Na verdade, não está assim tanto disseminado na geografia que indicou. Se fizesse uma auto-reflexão, Costa chegaria facilmente à conclusão de que o bichito de que tem andado a falar foi pegado por ele próprio e pelo seu partido. Não tem feito outra coisa desde que começou a governar. Há muito que um e outro andam com ele colado à pele. Vive no Palácio de São Bento e na bancada do seu partido. Já tínhamos notado, ainda que não lhe tivéssemos dado o nome por que vai ficar conhecido. Foi com o intuito de acusar antes que o acusassem que o chefe do Executivo afirmou que o terá visto pelos lados da oposição. É o truque mais conhecido para encobrir o que não lhe corre bem, todas as trapalhadas dos seus governos e o que faz conta de não fazer. Não, não são casos, casinhos e rodriguinhos que todos os dias vêm à baila e que o primeiro-ministro desvaloriza. Pelo contrário, são quase todos casos sérios, de polícia e de justiça. São casos politicamente graves, nunca antes aceites com a benevolência com que têm sido tratados. Só mesmo com António Costa são apresentados assim, como casinhos e rodriguinhos ou outra espécie de minudências. Nem o anterior primeiro-ministro do seu partido tolerou tamanho desafio à verdade. O vírus circulava, e muito, mas sem o descaramento de não fazer nada. Todos nos lembramos daquela cena dos corninhos apontados por um ministro a um deputado comunista. O ministro foi de guias sem contemplações do chefe de governo e sem que o autor tivesse tempo para pestanejar. Tinha sido uma minudência comparada com o que se tem passado pelos novos tempos coloridos de rosa. O desleixo está a chegar a tamanha desfaçatez que a descrédito das instituições se generaliza a passos largos. Costa ainda não percebeu que é ele que mantém o vírus circunscrito e impede que seja eliminado de vez. O bicho auto-reproduz-se no seu círculo político! Um vírus assim, multifacetado e resistente, “envergonha a democracia”. 

 


2. E agora? Nunca antes uma maioria absoluta foi tão posta em causa como a de António Costa. Nem a de Cavaco, a mais longa, nem a de Sócrates, a mais irritante, foram tão criticadas e desperdiçadas precocemente como a que temos. Em nenhuma das anteriores, o desejo de que acabasse veio de dentro como esta. Era o povo que o desejava, enquanto os responsáveis políticos tentavam segurar-se. Agora não, mais do que o povo – as sondagens ainda não são suficientemente claras – é o chefe do Executivo que está farto, que se desmazela, que quer férias e um emprego noutras bandas. E que provoca todos: os adversários políticos, os cidadãos e o próprio Presidente. A degradação é tanta que um dia destes Marcelo vai ter de tomar posição, ainda que sem a convicção de que legislativas antecipadas significarão renovação ou solução. Vão ser as condições a impor a solução. Só que se o PS não é aconselhável, o PSD também não é. Marcelo não acredita que o seu partido tenha o líder certo para o país. E o povo, o melhor que pode fazer é diversificar. Primeiro, para acabar com maiorias absolutas, seja à esquerda, seja à direita; segundo, para entrar ar fresco no poder. E há, felizmente, quem o possa insuflar. O problema é se continuar a resultar do acto eleitoral uma distribuição de mandatos muito favorável a um dos dois partidos que têm governado o país! De Costa já basta e de Montenegro não se sente a força que proclama nos cartazes nem se conhecem as medidas para salvar Portugal e os portugueses. Uma encruzilhada? Uma nova legislatura para esquecer? E pode acontecer que, apesar da esquerda não ter maioria absoluta, o PS continuar a ser o partido com maior representação parlamentar. O PS vai aceitar que seja a direita a governar? E se for o PSD o partido mais votado, mas a direita não tiver a maioria absoluta, não se terá perdido tempo com as novas eleições? A nova direita, mais do que a nova esquerda, vai ter de crescer para que a alternância aconteça.

Luís Martins

Luís Martins

30 maio 2023