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Não seremos um país amofinado?

A avaliar por diversos sinais podemos questionar-nos se não seremos um país de amofinados, isto é, de pessoas (instituições também) aborrecidas, preocupadas, apoquentadas, emburradas, arreliadas, incomodadas, afligidas, apreensivas, receosas… em tal dose que o todo nacional parece enfermar desta doença endémica e sistémica…

No rol de situações vemos que vários campos de atividade manifestam situações de amofinação, desde os mais comuns e (já) quase clássicos, como a educação, a saúde e o mundo laboral até aos mais subtis como o espaço desportivo ou as lides político-partidárias, sem esquecermos os indícios das intrigas nas (ditas) redes sociais e no trato de vizinhança… 

 


1. Quais poderão ser, então, os indícios deste ambiente de amofinação? As reações intempestivas de certas pessoas, serão já reveladoras desta condição pessoal e social? Os trejeitos de intolerância manifestam esse ser amofinado, mesmo que não-consciente? Certos posicionamentos reivindicativos apontam para que a amofinação ganha espaço à compreensão e à aceitação da diferença? Quais são os fatores que têm contribuído para esta sensação de pundonores agravados com que nos vimos a culpabilizar de forma crescente? Que consequências teremos a curto e a médio, se continuarmos a valorizar mais o que nos separa do que aquilo que nos ainda une? 

 


2. Mesmo que de forma um tanto abusiva este texto que estou a escrevinhar já revela alguma consciencialização de estar suscetível a sentir-me amofinado. Com efeito, não vejo por aí muita gente a interrogar-se sobre este clima pouco alegre ou nada contente e até infeliz. Nota-se no rosto das pessoas que andam apreensivas e que com facilidade se podem tornar agressivas, senão mesmo violentas em palavras, atitudes e gestos. Dá a sensação que as pessoas são comparáveis a balões que se foram enchendo e, ao mais pequeno deslize, podem rebentar (explodir) com uma simples fricção… bastará algo que faça a ignição. 

 


3. Vejamos um exemplo deste país amofinado. As quezílias e turbulências dos futebóis é uma espécie de parâmetro em que nos podemos ver e rever. Com que facilidade se geram problemas, dentro e fora do terreno de jogo, parecendo saber como começaram, mas que dificilmente atingiremos como vão terminar. Dá a impressão que uns tantos incentivam, cultivam e alimentam esta amofinação. As horas gastas para esquadrinhar as razões de tais pseudoproblemas fazem com que os que gostam daquele desporto desliguem e deixem esses papagaios a falar entre si… Literalmente nesta fase do campeonato o clima de amofinação só serve aos incompetentes e cangalheiros da modalidade…

 


4. Noutro campo de atividade: a vida político-partidária. Foi degradante das pessoas e atentatório para as instituições o que aconteceu recentemente: horas e horas, mesmo pela madrugada fora, os inquéritos a certos desvios (ético-profissionais, cívicos e criminais) num tal ministério… onde se insere a transportadora aérea. De facto, aquilo foi voar demasiado baixo e sob a conduta menos adequada. Cresceu em mim esta sensação de amofinado, num país a viver mais sob a tutela do egoísmo do que do serviço, a lutar pelos interesses pessoais do que a atender aos valores cívicos dos outros. 

Se fossemos honestos e sinceros trocaríamos os nomes da maior dos ministérios para os seus antagónicos: da saúde para o da doença; da educação para o da ignorância; do trabalho para o da preguiça; dos negócios estrangeiros para o das tricas nacionais; das finanças para o da pedinchice; da cultura para o da subsidiodependência; da habitação para o das barracas… numa palavra: sem governo, antes de amofinados à espera que não apareça quem o substitua.

 


5. Sobre as ‘Jornadas Mundiais da Juventude – Lisboa 2023’ vejo também muita amofinação. Se até os padres para concelebrarem e poderem confessar têm de se inscrever e pagar cinquenta euros! Apesar de tudo não vemos, nas nossas hostes, tanto entusiasmo como seria expetável…Por que será?

 

António Sílvio Couto

António Sílvio Couto

29 maio 2023