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Não adiar a Comunhão

O Sínodo está em movimento há já alguns meses. Realizaram-se assembleias sinodais locais, nacionais e continentais, mas nem tudo agradou a todos. Alguns contestaram, outros calaram-se, mantendo, talvez, as suas desconfianças, os seus medos e perplexidades.

A Igreja tem grandes expectativas no que poderá acontecer em Roma em 2023 e 2024. Poderá surgir uma Exortação Apostólica ou outras novidades; a doutrina poderá coincidir com as atuais orientações do Código ou proporcionar alterações de maior ou menor relevo e novidade.

No nosso quotidiano, comprovamos que muitos cristãos se limitam a olhar para determinadas perspetivas, insistindo nelas. Não conseguem alargar horizontes nem acreditar que o caminho com o Espírito Santo poderá não coincidir com os seus anseios e vontades. Na verdade, ninguém sabe o que irá acontecer, e é bom que assim seja, pois a novidade é o nome de Deus, como nos disse o papa Bento XVI. Ela só surgirá nas orientações e nos novos dinamismos. Algumas propostas serão muito claras e de aplicação imediata; outras apenas sementes que, no seu tempo próprio, germinarão a mudança. Há quem tema divisões, ou até mesmo cismas. No entanto, para quem se diz verdadeiramente cristão, é fundamental uma disponibilidade interior para reconhecer que poderá não vencer uma tendência ou outra, e que caberá ao Espírito decidir o mais conveniente para os tempos que vivemos. Assim aconteceu no passado, por ocasião dos diversos concílios ou sínodos, mas sempre com uma certeza: quem estiver em comunhão com a Igreja terá a oportunidade de comprovar que muitas novidades irão permanecer, e que tudo aquilo que não correspondeu aos impulsos do Espírito, mas apenas a vontades particulares, irá certamente gerar muita controvérsia.  No entanto, estas divergências cairão como folhas que murcham sem deixar história.

Importa reconhecer interiormente que o Espírito está a trabalhar, à semelhança do que se verificou na Igreja ao longo dos tempos. Portanto, não nos limitemos a esperar.  Tem de existir uma disponibilidade interior ; temos de nos abrir e rezar para que a Sua voz se torne eloquente e possibilite uma conclusão de coral sinfonia, em louvor de Deus e do bem da Igreja. Trabalhemos neste cuidado ao Espírito, que continua a soprar onde quer e como quer. É evidente que, se nos mantivermos presos a ideias com receio de as perder, restará apenas a insatisfação e a sensação de que de nada valeu o tempo dedicado à reflexão e à oração. Trata-se de uma capacidade de empenho no discernimento e, simultaneamente, de uma enorme capacidade de saber perder sempre: antes, durante e depois das assembleias. É este o grande desafio que nos é proposto. Portanto, se nos deixarmos polarizar e prender a esquemas que não se adaptam  a estes dias que vivemos,  manter-nos-emos presos a ilusões ou a sonhos quiméricos.  Estamos conscientes de que o ritmo de Deus nem sempre coincide com o nosso; no entanto, quando estamos com Ele, temos a certeza de que permanecemos na graça do momento presente, saboreando com entusiasmo e serenidade a graça que Ele nos oferece. Nada perdemos, tudo ganhamos.

Todos desejamos que, no final deste processo sinodal, haja uma verdadeira renovação; contudo, não podemos deixar de nos considerar em sínodo. Sabemos que a Igreja foi sempre isto: o povo de Deus em caminho. Na história da salvação, encontramos momentos eloquentes, nos quais se percebe claramente a ação do Espírito. Portanto, se estivermos em comunhão com a Igreja, sentiremos coisas que nunca esperamos sentir. 

Pessoalmente, acredito que o Sínodo irá muito além das minhas expectativas. Surgirão muitas conclusões escritas e muitas novidades, mas também será exigente a vivência deste espírito unitivo. Penso que, se juntarmos tudo na fornalha do amor mútuo, dela saíra o pão tão desejado e esperado. Na verdade, se não houver comunhão verdadeiramente vivida, ela também não poderá estar presente nas orientações para a mudança da Igreja.  Na hora tudo acontece como Deus havia delineado.

É da nossa inteira responsabilidade esta atitude, individual e comunitária, de acreditarmos que o Sínodo está a caminho. Tivemos outros acontecimentos que nos distraíram deste caminhar; agora, necessitamos de nos reconhecer nesta estrada sinodal, pois as grandes revoluções não aconteceram por geração espontânea; elas tiveram os seus preâmbulos e os seus contratempos. Por isso, não podemos parar ou adiar o processo sinodal; teremos de aderir com um novo ardor  à certeza de um caminho em comunidade, aberto às interpelações da Palavra e orientado para ações concretas que vamos, desde já, vivendo.

 Olhemos para o concreto de relações familiares ou comunitárias e facilmente nos aperceberemos de que continuamos a teimar em caminhar por estradas paralelas Saibamos a assumir que, muitas vezes, somos um elementos de desunião dentro da nossa comunidade e que nem sempre contribuímos que ela possa ser um só coração e uma só alma. 

Não precisamos de esperar. Temos orientações mais do que suficientes para caminhar. Portanto, concretizemos; demos vida a tudo o que poderá ser sinodal, procurando a conversão pastoral; afastemos tudo aquilo que a limita e a impede de ser verdadeira comunhão.

 Adiar pode significar perder o comboio da história. 

D. Jorge Ortiga

D. Jorge Ortiga

27 maio 2023