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João Aguiar despediu-se amando

Ocorre hoje o trigésimo dia do falecimento do particular Amigo Cónego João Aguiar. Em março de 2021, publicou «Intemporal», meditações quase diárias da liturgia do dia do ano 2020, o ano mais duro do Covid. Primeiro no Facebook, e depois em «formato mais permanente e para outro público». (p. 7)

Comentando a passagem de João, 14, 18-20 na frase síntese: «Não vos deixarei órfãos», escreve: «Quem ama vê. Quem ama revela! Quem se despede amando, vai completo. Quem se despede amando, fica completo. Porque tanto quem parte como quem fica está no coração do outro». (p. 130)

Citando o Papa Francisco, tinha consciência de que: «Transmitir a fé não é dar informações, mas fundar um coração, fundar um coração na fé em Jesus Cristo», porque, citando Bento XVI: «a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração». (p. 130)

«A verdade é, de facto, a própria pessoa de Jesus, de quem o Espírito dará testemunho trazendo à memória dos discípulos as Suas palavras e a respetiva compreensão». (134) É uma linguagem estranha neste caldo de relativismo e subjetivismo que nos rodeia, mas de nada devemos ter medo a não ser de «quem cala ou finge não ver (…) Não temais o papel de profetas/ que o papel do profeta é falar. / Tende medo somente do medo / de quem acha melhor não cantar», como afirma, citando uma canção do padre Zezinho. (p. 135)

«Há um caminho estranho para a felicidade: o amor crucificado (…) Os discípulos sentiram a dificuldade que nós sentimos em ‘assentar’ na alegria (…) que a alegria é fruto do Espírito; é fé provada perante as cínicas gargalhadas do mundo e sua aparente vitória; é despojamento e perseguição». Isto só será compreendido pelos discípulos, enchendo-se de força e entusiasmo «quando o Ressuscitado subir ao céu e lhes enviar o Espírito Santo. (…) Temo que não abundem cristãos com rosto feliz». (p. 137)

«Amados de Deus, precisamos de aceitar livremente o dom, mediante gestos que não aceitam a neutralidade, o ‘mais ou menos’ calculista dos dias em que dá jeito ou das opções humanamente proveitosas.

Amar a Deus exige atenção e cumprimento da palavra de Jesus; reclama visões e decisões, renúncia e seguimento.

Amados de Deus queremos permanecer neste amor. Mas permanecer como o ramo permanece na árvore e não como a trepadeira parasita ou o musgo que se agarra ao tronco. Isto não é amar; é aproveitar-se!...». (p. 140)

Comentando a resposta de Pedro: «Senhor, Tu sabes que Te amo», João Aguiar confessa-se e interpela-nos: «Que queres que te diga, Senhor? (...) Não sei amar-Te como mereces; não sou capaz de amar-Te com a dignidade e a profundidade com que amas e me amas. Mas, à minha medida e no meu jeito, amo-Te. E sei que sabes que é verdade». (p. 148) E acrescenta, citando o Papa Francisco: «É o Pai que atrai, e também atrai com o nosso testemunho. (…) O testemunho e a oração caminham juntos. Sem o testemunho e a oração não se pode fazer pregação apostólica, não se pode fazer anúncio. (…) O nosso testemunho abre as portas ao povo, e a nossa oração abre as portas do coração do Pai, para que ele atraia as pessoas. Testemunho e oração. (…) Eis o desafio!» (pp. 150-151)

Comentando a passagem dos Atos dos Apóstolos (2, 1-4) que escutaremos amanhã, dia Pentecostes, na primeira leitura: «Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo», afirma: «Jesus, morto para nossa salvação, ressuscitou, subiu ao céu e o Seu Espírito desce como prometido, sobre os apóstolos. Hoje, como ontem, o Espírito continua a surpreender e a entusiasmar; a estimular e a ajudar a compreender; a renovar e a exigir. E, desde logo, a não se deixar aprisionar». (p. 151-152)

Um alerta oportuno: «Domar o Espírito ao mesmo tempo que se pede a Sua impertinência e fortaleza é mais comum do que parece. E, por isso, em vez de pedirmos que nos confirme na verdade, queremos que confirme as nossas escolhas e verdades. Sei lá se até esperamos que abençoe os nossos ressentimentos e atribua a exclusividade ao nosso grupo – como se não houvesse riqueza na diversidade dos carismas». (p. 152)

Também tu, caro Amigo, quiseste continuar presente no nosso meio através das tuas publicações, tão cheias de sábias e oportunas considerações. Obrigado por continuares a dialogar connosco e a incentivar-nos como só tu sabias fazer, para que o amor de Deus, derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo, continue a surpreender-nos e a entusiasmar-nos. Na medida em que isso acontecer, o nosso testemunho será cada vez mais sedutor e atractivo.

Nota. Amanhã, na eucaristia das 10,30 da Senhora-a-Branca, serás especialmente lembrado e recordado.

Carlos Nuno Vaz

Carlos Nuno Vaz

27 maio 2023