Vamos prosseguir com a análise do Princípio Constitucional da Legalidade Criminal. I.e., na sequência das publicações anteriores: 17/9 (I), 1/10 (II), 15/10 (III), 29/10 (IV), 19/11 (V), todos de 2021 e, nos tempos mais recentes, 31/3/2023 (VI). Assim, já sabemos que só a lei da Assembleia da República ou um diploma por ela autorizado – art. 165º da Constituição da República Portuguesa (CRP) -, pode definir o regime dos crimes, das penas e das medidas de segurança. Em lugar paralelo, a descriminalização ou atenuação da responsabilidade criminal também, como nos lembra P. Albuquerque (v.g. 2022). Estamos a falar da organização do poder político. Está em causa igualmente, pois, a separação e interdependência de poderes, art. 111º da Constituição: “1. Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição. / 2. Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei”. Pior ainda para a salvaguarda do Princípio Constitucional da Legalidade Criminal, seria misturar a religião com a política num ataque directo à laicidade do Estado. Veja-se onde foi parar o Irão… Rectius: a título de exemplo concreto, seria desonesto do ponto de vista intelectual – mas sobretudo desrespeitador dos próprios direitos (e deveres), liberdades e garantias consagrados nos artigos 18º e 46º/3 da Constituição da República Portuguesa, entre outros -, procurar demonstrar perante a comunicação social e a opinião pública, que “Nossa Senhora de Fátima apoia determinado partido político ou sequer uma dada pseudo-ideologia que diz tudo e o seu contrário em ambiente de circo”. Ou, ainda mais patético, fazer uma pseudo-peregrinação a Fátima, apelando – porque é disso que se trata -, ao voto num partido que na última convenção proibiu a aplicação da democracia interna e, designadamente, o Método de Hondt na escolha proporcional dos seus próprios delegados. “Mais parece a peregrinação duma organização criminosa a satanás”, dizia um ex-aluno. Para lá de ter, no presente momento, presidentes de concelhias e distritais nomeados, e não eleitos, um pouco por todo o país. E mesmo quando há eleições internas, procura, por meio da ameaça física e ética, controlar totalmente os cadernos eleitorais, os quais, em grande parte dos casos, nem sequer são publicados ou facultados às várias listas concorrentes. Ou que, inclusive, permite que andem autocarros de distrito em distrito a votar(em) nas diferentes estruturas políticas distritais. Ou seja, as mesmas pessoas – figurantes contratados dos votos ou desocupados de claques de futebol, que mereciam um pouco mais e melhor -, vão votando distrito a distrito nos candidatos autorizados pelo caricatural pretendente a ditador. Também podemos incluir na reserva de lei (art. 165º/1, al. c., da CRP), as circunstâncias agravantes modificativas, ou simples, e as causas de justificação, mas porventura não as causas de justificação fundamentadas em princípios gerais da ordem jurídica. Assim como as circunstâncias atenuantes. É importante, porém, que a lei de autorização deva indicar o sentido da intervenção legislativa programada, ou seja, a qualificação como crime de certa acção ou omissão. Não sendo exigível que a própria lei apresente a determinação dos diferentes conceitos jurídicos que usa. Com tudo isto também podemos pré-concluir que um partido político não pode criar dentro de si uma sub-espécie de ilícitos criminais (e/ou “disciplinares”) contra os seus próprios militantes. Neste caso, neste raciocínio enviesado, não se aplicaria o art. 32º/10 da CRP. Já no contexto da República, também o legislador regional – neste caso nos Açores e/ou Madeira, enquanto Portugal continua a ser um caso único na UE sem regionalização/descentralização no território continental -, está impedido de criar e/ou desfazer criminalizações. Não por acaso (não), a lei penal deve ser lei certa!
Princípio Constitucional da Legalidade Criminal VII

Gonçalo S. de Mello Bandeira
26 maio 2023