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Apanhados 35

Ser jovem, no dizer dos poetas, é um estádio da vida promissor, esfuziante, quimérico, generoso e belo! Todavia ...

Não costumo comentar as festas académicas do enterro da gata que acontecem anualmente nesta cidade, mormente porque entendo que o sentido de responsabilidade, a alegria de viver e uma natural irreverência sempre devem presidir às festas da juventude; e, com maior evidência quando os seus atores são jovens universitários, como na presente situação, em que celebram o fim do ano letivo e para os finalistas o fim do curso.

Contudo, porque verifiquei que este ano o cortejo académico que integra as festividades primou por demasiada falta de bom gosto, de rasgos de imaginação e de desejada organização – caraterísticas que devem estar presentes nestas manifestações públicas – e onde imperou antes o muito álcool e a pouca originalidade e genuinidade, decidiu romper o meu silêncio; ademais, tantas foram as críticas e o desencanto de grande parte do público que assistia ao desfile académico que ficar calado seria a melhor forma de corroborar com a desorganização e a pouca criatividade que veio ao de cima.

Pois bem, se entendo que a apresentação pública das normas de bem pensar e bem agir de caloiros e doutores se têm, ano a ano degradado na forma como desfilam e apresentam os carros de cada curso, no presente ano o desfile desiludiu-me e penso que à maioria das pessoas que a ele assistiu e que esperava coisa melhor; e, então, a falta de bom gosto, de imaginação e de criatividade estiveram, a meu ver, ausentes; sobretudo na crítica social, nas reivindicações e sentido de humor que costumam ser, nestas circunstâncias, um ponto de honra do bom gosto e dos arremedos de irreverência da estudantada.

Depois, a meu ver, o cortejo foi mais um desfile de camiões onde imperava o vazio e a ausência de sã camaradagem, euforia e humorismo dos seus atores; e o que efetivamente mais dominou foi o uso e abuso do álcool que espoletavam cenas, eventualmente desagradáveis aos olhos e aos ouvidos da assistência que ansiava por outra forma de ser e de estar da jovem e briosa estudantada.

E, aqui, é indispensável e necessário alertar os responsáveis pela organização do cortejo académico para que, de futuro, mandem instalar, ao longo do seu percurso, sanitários públicos suficientes, a fim de que as necessidades diuréticas resultantes do excesso de cerveja, aí possam ser satisfeitas a contento; é que muitos comerciantes da zona por onde passou o desfile foram incomodados por constantes solicitações de caloiros e doutores, imperativamente mictantes, para a cedência dos seus sanitários.

Agora, o que para mim mais alto falou pelo desrespeito, falta de urbanidade e de irreverência de muita estudantada, alguma de trajo académico, foram as banhocas coletivas no chafariz ornamental da Arcada e onde se instalou a regra do banho unissexo (do tudo ao molho e fé em Deus, como comummente se diz); e muita sorte acompanhou os banhistas, pois, talvez por se cumprir o que o povo costuma dizer que ao menino e ao borracho põe-lhe Deus a mão por baixo, não aconteceram acidentes graves provocados pelos bicos responsáveis pelos jatos de água que existem às dezenas e de cariz demasiado aguçado, no dito chafariz.

Pois é, e os desabafos e críticas que mais se foram ouvindo, sobretudo do público mais velho que assistia ao desfile, eram deste jaez: que vai ser deste país, quando grande parte destes jovens, amanhã, assumir o seu comando, governo e organização, qual irá ser a vida dos nossos netos e bisnetos e, sobretudo, que educação lhes reserva o futuro; obviamente que, mesmo não sendo a vida diária do país uma cegada desta natureza, não faltarão momentos de tomadas de decisões e de atuações por políticos e governantes em que muita desta leveza e fragilidade de conceitos, critérios, juízos e atitudes não poderá vir ao de cima, para que se não corra o risco de a sociedade colapsar.

Todavia, pensando eu que a pandemia da Covid 19 deixou profundas marcas na idiossincrasia nacional com tantos e dolorosos confinamentos e restrições gerados, compreendo perfeitamente necessária e saudável esta descompressão da estudantada e, por isso, até certo ponto acho que este cortejo académico foi um episódio fortuito para esquecer; e, assim, espero bem que o do próximo ano irá melhorar sobremaneira; e, assim, o enterro da gata voltará a ser uma manifestação pública de imaginação, criatividade, urbanidade, salutar humor e alegria de viver a que nos habituamos, em vez de um arremedo de muito álcool e muita irresponsabilidade que, neste ano, vieram ao de cima.

Então, até de hoje a oito.

Dinis Salgado

Dinis Salgado

24 maio 2023