Daqui a sensivelmente um ano, os europeus serão chamados às urnas para escolher um novo hemiciclo, num escrutínio determinante para o futuro coletivo e particularmente para as nossas democracias. O período escolhido (entre 6 e 9 de junho) será oficialmente aprovado na reunião do Conselho de Assuntos Gerais, depois dos embaixadores dos 27, na semana que agora findou, terem decidido avançar com aquela data, apesar da oposição portuguesa. Não há nesta decisão nada de estranho a não ser o facto de um pequeno país ter três feriados suficientemente perto uns dos outros, numa espécie de férias oferecidas, que merecem uma ponderação das autoridades civis e religiosas. Fora este pequeno grande entrave à participação nas eleições, resta a Portugal encontrar soluções para conter a sua marca de água (abstenção) em atos eleitorais, particularmente nas eleições europeias onde habitualmente somos mais propensos a desqualificá-las em nome, acredito, de uma ideia feita de que se trata de um ato eleitoral pouco interessante, feito para uns tantos andarem por Bruxelas e Estrasburgo, sem que daí resulte, em particular, qualquer benefício para si e para o país. E, no entanto, a Europa, para além de viver em esforço de guerra, com tendência para agravar-se e a desviar o orçamento comunitário da vida dos europeus, tem razões para estar preocupada com a demanda autocrática e extremista que tem assaltado os governos e os parlamentos nacionais. Se isto não bastasse para nos mobilizarmos, não sei que outras razões possam ser aduzidas e pesar na consciência cívica de cada uma e de cada um para motivar a participação naquelas que serão eleições decisivas para um novo quadro parlamentar que tudo aponta verá crescer o número de lugares da extrema direta. A solução apontada pelo governo português parece-me ser razoável e poderá abrir caminho a que em atos eleitorais nacionais, deixa de haver a tradicional desculpa da ausência para não se votar. Ao permitir que cada um posso votar em qualquer ponto do país, independentemente da área da sua residência, transforma este e outros escrutínios numa oportunidade para vencermos parte das alegadas razões para a Indiferença que levaram mais de 69 por cento dos portugueses a optarem por não se dirigirem às urnas em 2019. À parte da solução encontrada, que parece reunir o consenso entre os responsáveis da Comissão Nacional de Eleições, importa abordar a organização propiamente dita dos atos eleitorais, nomeadamente das mesas e do número de espaços onde é possível votar. Este assunto, que mereceu nas últimas eleições autárquicas e legislativas, uma proposta do Movimento de Cidadania Contra a Indiferença para que se criasse um modelo de gestão de voto de proximidade continua válido e apesar de alguma empatia com os méritos de tal sugestão, o certo é que nada foi feito. A dificuldade e complexidade da operação assustou os responsáveis pela organização do escrutínio, o que não deixa de ser um paradoxo. Por um lado, todos manifestam a preocupação com a tendência abstencionista no país e por outro parecem querer continuar com um modelo com quase 50 anos que se tem vindo a degradar e demonstrado ser inadequado face à evolução dos hábitos e do envelhecimento das eleitoras e eleitores. O peso do dever de votar tem sido substituído por uma anacrónica postura de quem é adepto de uma maior participação e escrutínio da ação política da governação, seja ela local ou nacional, e ao mesmo tempo recusa-se a escolher quem governa, seja por protesto, seja pela famigerada Indiferença, às vezes confundida com preguiça ou inversão das prioridades a um Domingo. Neste particular aspeto, o dia de descanso nunca foi questionado, mas devia. Escolher um dia da semana para se votar pode não ser tão mau como parece. Uma das razões que os estudos apontam para a recusa em ir às urnas tem sido o direito ao descanso, aproveitado por muito para se deslocar de casa. Vale a pena refletir sobre este condicionamento tendo em conta a tradicional mobilidade. Votar noutro dia que não o domingo e poder fazê-lo em qualquer ponto do país e o mais próximo da nossa residência, são propostas válidas às quais, mais cedo ou mais tarde, se juntará o voto eletrónico e as suas múltiplas soluções. Estudar a criação de uma APP vocacionada em exclusivo e apenas habilitada para ser usada em atos eleitorais, é uma solução fora da caixa, mas é, assim, com esta ou com qualquer outra solução, que poderemos responder a este desafio que se coloca de forma imperativa aos decisores políticos.
Uma solução adequada

Paulo Sousa
23 maio 2023