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Contra a ditadura do barulho

O título da crónica desta semana fui buscá-lo a um livro do Cardeal Robert Sarah, publicado em 2017, “A força do silêncio, contra a ditadura do barulho”, enunciado na celebração litúrgica que abriu o Encontro Anual de Antigos Alunos de La Salle, em Barcelos, no pretérito sábado. O presidente da celebração, o Reverendo Padre Belo, que conheci na meninice do meu terceiro ano (actual 7.º ano de escolaridade), teceu algumas considerações sobre a relação do crente com Deus, surgindo o silêncio como necessário à escuta e ao diálogo com o Criador, o cerne da obra. À hora em que escrevo, não decorreram sequer trinta e seis horas desde que me senti convocado a ler aquela obra, pelo que não pude adquiri-la ainda, sendo que apenas me foi possível fazer uma interação num site que lhe faz referência. Contudo, o desenvolvimento do livro que o sacerdote mencionado fez ao longo da missa em que participei foi suficiente para que tenha decidido trazê-lo para aqui. Não vou falar sobre o tema, que não aprofundei, contudo, ajudar-me-á a fazer o enquadramento para as linhas que se vão seguir. Uma das frases que é proferida na conversa do autor do livro citado com Nicolas Diat, o interlocutor na obra, versa assim: “A palavra caracteriza o homem, mas quem o define é o silêncio”. Assim, o barulho não é bom para conhecer o homem, para perceber as suas acções. Nesse sentido, inclino-me a dizer que o silêncio procura-se e se o não queremos, é porque procuramos esconder qualquer coisa, distrair o interlocutor ou dissimular erros, pecados ou incompetências.

Na última quinta-feira senti-me envergonhado ao ouvir o que estava a dizer um responsável do governo de Portugal num fórum inquiridor. Eu não tinha nada a ver com o assunto, era apenas mais um curioso a querer ouvir de viva voz as explicações solicitadas por elementos autorizados, não tinha culpas no cartório, não era eu que tinha que explicar a versão dos factos, mas senti vergonha. Mesmo que não me tenha sentido solidário. E não tinha que ser. A realidade conhecida e a construção da novela não merecia que desse o benefício da dúvida a um dos lados da história contada. Não senti pena, nem mesmo quando o protagonista ficou mais entalado. Só senti vergonha, como se fosse eu mesmo a estar sentado naquela cadeira à frente de vários delegados do júri político. Ainda assim, não quero ignorar que isso aconteceu, nem acho que seja mau que os cidadãos se manifestem, seja a favor ou seja contra em relação àquela peça de teatro não escrito, mais ou menos improvisada em função das deixas dos delegados do júri, mas com responsabilidade de autor. No entanto, há quem defenda a narrativa da personagem em apuros, que veja coerência na sua defesa e ache que deve ser ilibado, por dignidade suprema e absoluta ausência de culpa. Ao jeito de adeptos ferrenhos e comprometidos, vêem com coração de militante o que a razão devia condenar. E, ao contrário de mim – acredito que também de muitos mais –, esses clubistas sentiram solidariedade pelo correligionário, mesmo que o questionado seja um tanto mitomaníaco. Ressabiados com o humor de imensos que não vão na mesma onda, muitos dos correligionários do inquirido vociferaram palavras deselegantes nas redes sociais, sintoma de embaraço, compreensivo, mas pouco ou nada independente e sem coerência com a verdade. A distância entre uma acção positiva e um erro é tão grande que um simples mortal de inteligência média devia ser capaz de identificar uma e outro. Acontece que a barbárie tende a ser significativa no campo político ao ponto de causar transtornos psicológicos e as consequências estão à vista. Defende-se veladamente a mentira, apesar desta nunca ter sido, nem nunca será, um sinal de inteligência e democracia, pelo contrário, é um sinal de desconsideração, falta de ética, cobardia e até de prepotência, como parece ter sido o caso. O regime democrático ressente-se e apodrece com actores políticos que não respeitam a verdade e dissimulam com barulho o que realmente acontece. A potenciar o descalabro, há maiorias parlamentares que se negam a tratar dos seus doentes.

Luís Martins

Luís Martins

23 maio 2023