Numa sociedade decente, é natural que as coisas tenham um preço e as pessoas dignidade.
Assim sendo, como qualificar uma sociedade em que, além das coisas, às próprias pessoas é atribuído um preço?
Como se tal não bastasse, dá-se até o caso de haver pessoas com um preço inferior ao das coisas.
Dando crédito ao que é reportado pela imprensa, há quem esteja a «comprar» (!!!) crianças por quantias entre os 1000 e os 2000 euros para angariarem dinheiro na rua.
Acresce que muitos desvalidos, portadores de doenças físicas e mentais, são impelidos a mendigar – geralmente, à porta de igrejas e supermercados – em proveito de outros.
Estas formas de exploração, tráfico e escravatura são obviamente potenciadas pela globalização. Como os cidadãos circulam cada vez mais livremente entre países, torna-se mais fácil fomentar este (insidioso) «comércio humano».
As sevícias – em modo pré-requisitos – ultrapassam o que há de mais aviltante e arrepiante.
Por vezes, há crianças pressionadas a engravidar. Parte-se do princípio de que é mais fácil obter esmolas se os mendigos forem crianças e adolescentes grávidas ou com bebé ao colo.
Nos lugares determinados, estes seres humanos são colocados no início do dia e recolhidos ao fim da tarde.
Como em qualquer negócio, é-lhes fixada uma quantidade mínima para arrecadar. Há notícias de «vendas» pelos próprios pais, de espancamentos e de toda a sorte de violência.
Acredito, com Maurice Blondel, que «tudo tende para o cume». Mas há momentos em que nos deixamos abeirar, perigosamente, dos umbrais do abismo.
Já Oscar Wilde percebeu que as pessoas «sabem o preço de tudo, mas parecem não saber o valor de nada».
«Las but not least», chegamos a um estado em que facilmente pomos um preço nas pessoas e um valor nas coisas.
Dá, frequentemente, a impressão de que temos mais desenvoltura — e frieza — para descartarmos as pessoas do que as coisas.
Não é raro ver pessoas reagruparem-se devido às coisas que algum familiar possuía.
Em vida, abandono. Depois da morte, reaparecimento (quase sempre) tumultuoso para esgrimir a distribuição dos bens. Não seria mais edificante fazer o Bem antes de alguém morrer do que disputar os bens depois da morte?
Até se fala de «bens de estimação». Só que, antes e acima dos bens, há pessoas para estimar, estimular e amar.
Eis mais um afloramento desta sociedade que alguns denominam «pós-humana» e que configura tonalidades insuportavelmente desumanas.
É às arrecuas que parecemos andar. Urge recolocar a nossa vida na faixa certa.
As coisas são necessárias, mas são coisas. Já o homem – cada ser humano – é sagrado, imagem de Deus. Nunca pode ser instrumentalizado, seviciado, subalternizado, comprado ou vendido!