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Um computador indesejado e indiscreto

Todos desejamos, independentemente das nossas opções partidárias, que o governo funcione bem, apresentando-se publicamente com pausa e serenidade, a fim de administrar o que tem entre mãos da melhor maneira. É responsável pela gestão de todo o país, que, através das eleições periódicas, confia a certas forças e aos seus representantes as decisões que devem escolher para resolver com eficácia o que lhe é confiado, certamente com honestidade e competência. A sua acção deve ser desenvolvida dum modo sereno, mesmo quando as medidas que deva determinar possam ser de difícil execução.

 


 Nos últimos tempos, no nosso país, temos assistido a um espetáculo desagradável e espinhoso, que retira aos que estão no poder a confiança de quem, através dos media, vai sabendo de situações dignas dum filme de “suspense”. À volta de um computador, que, ao que parece, contém assuntos bastante complexos para quem deseja governar e, provavelmente, não eram para ser revelados publicamente, um ministro tem de apresentar-se diante duma série de deputados, durante seis horas, para esclarecer assuntos melindrosos. Antes dele, esteve um seu antigo colaborador, por ele afastado do lugar, que conseguiu tomar posse do referido computador – que ele usava ou era da sua propriedade – de um jeito mais ou menos bélico.

 


 Certamente que o nosso actual Governo pertence a uma fação política que obteve nas últimas eleições a maioria absoluta. Mas um tão claro triunfo não pode representar para o eleitorado uma maneira de administrar o poder onde aconteçam casos destes, porque são uma forma de desacreditar quem se ocupa das nossos destinos como cidadãos.

 


 Pelo contrário, provocam nos eleitores um desapontamento em relação à qualidade de quem detém o poder. E levam-os a pensar se tal situação – mau grado as eleições preverem um período de duração de quatro anos – não é sinal da necessidade de repensar esta maioria absoluta, que está cansada ou, talvez até, esgotada, voltando a dar aos cidadãos a oportunidade para mudarem o rumo do país, ou confirmarem – o que não parece fácil – a confiança na actual fação partidária, reiterando a quantidade de votos que lhe permitiu escolher um governo de acordo com o seu livre entendimento.

 


 Um governo não é constituído apenas por um ministério, todos concordamos. Mas quando, numa família, um dos seus membros chama a atenção dum modo bastante surpreendente e até dramático , toda  ela é vista, a partir de então, como a daquele seu elemento. Se ele é exemplar, a família beneficia. Mas se prima pela falta de acerto, uma ferida pode transformar-se numa gangrena incurável.

 


 O Primeiro Ministro decidiu manter no governo o ministro que sofreu todas as peripécias que são conhecidas, geradas por um seu antigo colaborador próximo, que ele, como referimos, demitiu. Da parte do Presidente de República houve uma manifestação de desagrado por essa continuidade. Não se põe em causa a capacidade de gerir os assuntos do ministério que lhe foi atribuído, mas a conveniência da sua manutenção para o bom desempenho do governo a que pertence. É como se alguém que é ferido ou atacado por alguma maleita complicada prossiga à frente dos destinos duma empreitada que orientou até então.

 


 Para algumas opiniões, a opção do Primeiro Ministro revela um cansaço governativo; para outros, uma forma de manifestar publicamente que tem nas mãos um poder legítimo, que os eleitores lhe conferiram; e ainda outros, uma maneira de afirmar a sua confiança na pessoa que escolheu para gerir o ministério que lhe tinha atribuído. Enfim, e sempre aparece alguém que comenta, sem manifestar um juízo concreto: “Vamos a ver no que isto dá...”

Pe. Rui Rosas da Silva

Pe. Rui Rosas da Silva

21 maio 2023