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“Qualificados em Consumir”

Um dos maiores dramas da sociedade moderna é o facto de o nosso sistema educativo ser essencialmente orientado para a criação de consumidores. Gastamos enormes quantidades de tempo e recursos na criação de indivíduos altamente qualificados em consumir ou, na melhor das hipóteses, em produzir bens ou conteúdos que outros consomem. Isto não é, atenção, uma crítica aos estudantes, que tanto se esforçam, à classe docente, que se mata a trabalhar, à escola pública, que assegura progresso social, e muito menos ao ensino obrigatório, que promove a igualdade. É, no entanto, uma crítica à falta de visão no que toca à adaptação dos nossos métodos educativos à realidade atual, que exige melhores respostas que a mera manutenção do que já temos. 

A normalização e democratização do acesso às novas tecnologias criou um paradigma onde qualquer um pode carregar no bolso um dispositivo com mais capacidade de processamento do que o foguetão que levou o Homem à lua, com acesso a uma rede invisível que alberga a maioria da informação já produzida pela Humanidade. Este cenário de ficção científica é de tal forma comum, que mudou a forma como tratamos informação, o que traz implicações drásticas para a forma como deveríamos passar a educar os cidadãos do amanhã. Um sistema como o nosso, baseado na memorização e transmissão oral ou textual de informação, não é, portanto, suficiente para preparar mentes que possuem acesso quase ilimitado a qualquer conteúdo digital, produzido em qualquer parte do globo. O problema não é a ausência de informação, mas antes o excesso! O desafio das novas gerações não será a obtenção, mas a filtragem, especialmente devido à morte da leitura profunda, fruto da proliferação de conteúdos de consumo rápido e da orientação para o superficial que as redes sociais promovem. 

Adicionalmente, a tendência para a sobre especialização dos estudos, orientando os estudantes para maior eficiência produtiva, tem como dano colateral o afunilar da sua visão e pensamento, para além de declarar inerentemente inferiores as áreas que não contribuem imediatamente para a dita produção. Assim, o alheamento democrático, que vem com uma concentração estreita no próprio e um estranhamento da restante comunidade, é não apenas tolerado, mas ativamente promovido em áreas do conhecimento focadas única e exclusivamente na criação de trabalhadores de qualidade. Não é credível que uma educação orientada apenas ao desempenho de uma profissão derive numa pessoa capaz de cumprir outros papéis. Adicionalmente, a ausência de qualquer formação cívica séria, com conteúdos que garantam níveis mínimos de literacia económica e de compreensão sobre o funcionamento dos sistemas políticos nacionais e europeus, causa sérios danos quando justaposta à proliferação desregrada e descontrolada de falsidades no plano digital. Não ensinamos aos jovens as regras que regem o mundo onde vivem, nem como julgar a veracidade do que lhes dizem. A mera noção de factos alternativos é néscia face debate cidadão que se exige de uma democracia, que não sobrevive sem a existência de pontos de encontro que permitam discordâncias mas sem sacrificar os principais pilares e valores sociais.

Será que queremos criar especialistas em devorar grandes quantidades de dados e cuspir respostas sem as questionar, qual autómato pavloviano, ou antes cidadãos que os conseguem escrutinar e formar raciocínios próprios? Será razoável não habituar as pessoas a ler livros, promovendo a aceitação da superficialidade intelectual? Será possível compreender a uma língua e uma cultura sem ler os seus principais autores? Será aceitável que o medo que certas forças políticas têm da educação para a cidadania nos force a formar operários modernos, escravos dos seus impulsos e contextos? Queremos formar cidadãos, trabalhadores ou consumidores? São estas as questões que urgem colocar, no sentido de adaptar todos os nossos níveis de ensino a um mundo cinzento onde o principal objetivo é o desenvolvimento de raciocínio, não a alfabetização. Um cidadão que se quer pleno deverá ter uma educação que reflita a vastidão do conhecimento Humano e as necessidades da sociedade em que se insere. Sem pensar a Educação hoje, não será possível criar um melhor Portugal amanhã.

André Francisco Teixeira

André Francisco Teixeira

20 maio 2023