Perante novos sinais dos tempos, o Papa Francisco sentiu-se convidado pelo Espírito Santo. Se o Concílio foi essencialmente pastoral, o Sínodo também o deveria ser.
Desde o primeiro momento, propôs a conversão pastoral inadiável como meta a alcançar. Lembrou ainda que esta só se alcança através da conversão pessoal. Uma conversão como metanóia e que engloba dois grandes princípios: a prioridade de renovação interior (partir de dentro para fora) e o inconformismo com o exterior, que deve ser desigual e fiel às exigências evangélicas, mesmo estando em oposição com o mundo corrente, onde tudo parece ter o mesmo valor.
A Conversão pastoral deve enquadrar-se em três perspetivas: comunhão, participação e missão. Estes são campos distintos, mas complementares; diferentes, mas interdependentes. Portanto, abordar um implica tirar conclusões relativamente aos outros.
Hoje, quero falar-vos da comunhão. Habitual e primordialmente, falamos da comunhão eucarística. Contudo, esta supõe e exige a comunhão eclesial. No passado, só nos preocupávamos com aquilo que acontecia na Eucaristia. Agora, algo de novo deverá acontecer. Refiro-me a uma nova mentalidade, com comportamentos novos de fraternidade, proximidade, samaritaneidade e alegria de pertencer a um corpo. Nesta perspetiva, temos de reconhecer que existe um grande défice de comunhão. É verdade que temos os nossos amigos, quase sempre poucos, mas a comunidade eclesial não tem conseguido criar laços de interdependência e de auxílio mútuo que comprovem que pertencemos a um único corpo, marcado e diferenciado pelo amor.
Comunhão é sinónimo de vidas em união. Porém, existe quase sempre a tentação de nos refugiarmos no individualismo e no egoísmo, de pensarmos que os outros só são importantes quando nos servem ou nos são úteis. Porém, no Evangelho, comunhão significa fazer aos outros o que deve ser feito ao próprio, mas também evitar fazer aos outros, na vivência do concreto das relações, o que pode ser evitado. No Cap. 23 de S. Mateus, encontramos um permanente exame de consciência: “Tive (…) e não me deste…”; “Tudo o que fizeste ou deixaste de fazer a Mim o fizestes ou deixastes de fazer”. Note-se que não encontramos aqui referência a coisas grandes ou pequenas, mas a “tudo”. Direi mais: as coisas pequenas têm um significado particular, e é com elas que a vida se vai tecendo; com as grandes, conseguimos mostrar que estamos presentes e que somos capazes de nos sacrificar.
Analisando a configuração sociológica das nossas comunidades eucarísticas, temos de reconhecer que (infelizmente e regra geral) estas são compostas por pessoas desconhecidas ou apenas conhecidas nos traços exteriores da vida. Nunca houve o mínimo desejo de comunhão, nem um gesto que as aproximasse ou que gerasse a alegria da amizade. Como resultado, quando falamos de reforma eclesial, refugiamo-nos imediatamente nas estruturais e não damos atenção ao silêncio do amor feito ou esquecido. Para o comprovar, basta analisar o resultado das Assembleias Sinodais. Falou-se e fala-se muito, mas a verdade é que não nos conhecemos, nem mantemos viva a amizade.
Acredito seriamente que a prioridade da comunhão deve acontecer no inter-relacionamento ou na interdependência, tornando-a ecuménica e multicultural. É certo que acolhemos alguns emigrantes, mas não demonstramos particular interesse em promover efetivamente a sua inclusão. Se algo se tem concretizado, deve-se essencialmente às estruturas sociais. Condenamos as exclusões, sociais e religiosas, mas mantemo-nos distantes, pois são raros os casos daqueles que chegaram até nós e conseguiram integrar-se verdadeiramente nas comunidades paroquiais.
Ousemos fazer um exame de consciência. No futuro, a Igreja não poderá impor-se apenas pela beleza da liturgia ou das festas litúrgicas; também não lhe bastará propor um código de ética e valores de reconhecimento. Acredito que será o amor que circula entre todos que conseguirá inquietar.
O mundo tem muitas polarizações que agrupam; surgem muitos “ismos” que dividem e segregam, provocando lutas e campanhas e fraturas que impressionam. É precisamente aqui que teremos de expressar um modo de vida diferente, caracterizado pela proximidade física, mas, sobretudo, pelos sinais de caridade que circulam conscientemente. O amor de Deus Pai que ama a todos, e que é a grande razão de ser da evangelização da Igreja, não se reduzirá às palavras. Mais do que tudo, importa a vida que todos conseguem ver. Quando o mundo encontrar comunidades unidas da diversidade, reconhecerá uma energia capaz de unir e mostrar o valor de um Deus que é Pai de todos. A reforma do sínodo pede-nos esta alteração de hábitos e de rotinas.
Continuamos muito preocupados em ter as Igrejas cheias; portanto, não poderemos desconsiderar esta tarefa de voltar a encher os nossos espaços. Poderá demorar muito tempo, e esta realidade continuará a perturbar o espírito de muita gente, sobretudo dos sacerdotes. No entanto, sabemos que há um caminho que temos de percorrer: sair para mostrar como Cristo viveria hoje se percorresse as nossas ruas e andasse pelas nossas aldeias, porque o cristianismo nasceu para ter concretização imediata nos lugares da vida ordinária. É impossível viver o ideal cristão sem tocarmos esse amor, sem nos sentarmos lado a lado nos mesmos espaços, mesmo sendo desconhecidos. É esta dupla conversão que o sínodo está a solicitar. Por isso, penso que não nos basta caminhar com documentos na mão, contendo conceitos muito bonitos e interessantes. O que é verdadeiramente importante é esta espiritualidade quotidiana, que não deverá ser um peso a colocar em cima de muitos outros que o passado nos legou. Trata-se de algo natural, consequência de uma atenção ao essencial cristão. Na comunhão, nas suas diversas manifestações, caminharemos e estaremos a levar a sério sínodo.
Não o esqueçamos! Exercitemos a proximidade e o amor concreto, trazendo o mundo inteiro para nossa casa.