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A censura está de volta?

Quando se deu a revolução de abril no nosso país, abriu-se uma onda de esperança, considerando que abrindo as janelas ao mundo, desapareceria do país o mofo do Estado Novo e das características autoritárias desse modelo de governação.

Uma dessas características típicas é a censura, o controlo da opinião pública e dos mass media, o coartar da livre expressão do pensamento seja ao nível público, político, artístico ou outro.

A liberdade pode ser definida como uma faculdade do homem agir de acordo com a sua própria vontade, sem quaisquer limites que não sejam os que resultam da sua consciência e da necessidade de respeitar a liberdade dos demais com os quais convive em sociedade.

Agora que estamos em democracia e é suposto trilharmos um espaço de liberdade, eu que conheci o antes e o depois de uma sociedade coartada de liberdades eu questiono: democracia e liberdade é aquilo a que assistimos no quotidiano no nosso país e em muitos outros países europeus?

Tenho dúvidas. Veja-se a sofisticada utilização da inteligência artificial para controlar e manipular a opinião pública em prol de determinados objetivos, fabricando notícias falsas (fake news), alterando e manipulando outras Veja-se o aparecimento de movimentos sociais (tipo #MeToo, alegadamente contra o assédio sexual e a agressão sexual, mas que também dão azo a verdadeiros enxovalhos públicos e destruição de personalidades). Se o acusado for o produtor Harvey Weinstein (entretanto condenado a 23 anos de prisão), o arraso é total, já quando se fala numa personalidade tipo Johnny Deep versus Amber Heard, vira-se o feitiço contra o feiticeiro. Veja-se esse rolo compressor atual que é a exigência da reescrita de livros e manifestação artística de acordo com as sensibilidades atuais, alterando deliberadamente as palavras utilizadas pelos autores originais ou, veja-se ainda, na mesma senda a defesa do apagamento da história e a sua reescrita, acompanhadas de pedidos de desculpa relativamente aos erros e “crimes” dos nossos antepassados.

Porém, o que me causou mais perplexidade nos últimos dias foi a polémica levantada relativamente ao lançamento de um selo comemorativo das Jornadas Mundiais da Juventude.

O artista italiano Stefano Morri elaborou um selo que tem uma imagem do Papa Francisco acompanhado por vários jovens em cima do Padrão dos Descobrimentos, monumento lisboeta que evoca os Descobrimentos portugueses e a expansão marítima.

Para muitos, o selo procura criar uma imagem que simboliza a vinda do Papa a Lisboa, mostrando-o na proa de um barco, guiando os jovens rumo ao futuro. Outros, veem na imagem uma colagem ao Estado Novo, já que o monumento foi projetado e criado naquele período. Acresce que evoca a expansão marítima portuguesa que permitiu o colonialismo e a escravidão e exploração dos povos das regiões “descobertas”.

Tudo o que se faça hoje em dia pode (e é) utilizado em função dos interesses políticos e ideológicos que se defenda. Independentemente de se gostar do selo (não acho a imagem esteticamente particularmente feliz, mas isso é uma opinião pessoal) e da ideia de se utilizar o Padrão dos Descobrimentos que, de boa fé, acredito que nunca passou pela cabeça do seu autor a tempestade de comentários que a sua obra iria gerar, esta polémica representa na perfeição o “non sense” da época em que vivemos e leva-nos para uma história atribuída a Ésopo intitulada “o menino, o velho e o burro”, que todos conhecemos.

Fosse qual fosse a imagem escolhida para o selo comemorativo das Jornadas Mundiais da Juventude de 2023, considerando o ataque cerrado que é feito à Igreja e às suas instituições, tendo em vista a sua descredibilização e diminuição face à sociedade, sempre seria a mesma objeto de elevado escrutínio. Concluamos como o velho na referida história de Ésopo: “Do que observo me confundo! Por mais que a gente tente agradar, não consegue tapar a boca do mundo. E meu neto, que nos sirva de lição: É mais tolo, quem dá ao mundo satisfação!”

Fernando Viana

Fernando Viana

20 maio 2023