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“O último dos Mohicanos”, digo, dos “compact discs”

O injustificado e lamentável gradual desaparecimento do CD, nas lojas de discos). Com grande apreço pelo que de melhor têm a Música clássica, a ligeira e a tradicional (ou folclórica, como era uso dizer-se), eu sempre fui um cliente-modelo para as lojas de discos, sobretudo no que respeita ao CD. O CD tem sido, nas últimas décadas, o veículo perfeito (e mais popular) da divulgação da boa (e da má…) música. Até que, nos últimos anos, 2 factores muito têm contribuído para o acelerado desaparecimento do CD, nas lojas que vendem música. Um dos factores são os novos “gadgets” (outrora dir-se-ia “aparelhómetros”) da omnipresente electrónica, do “mundo virtual”, que em muitos casos permitem ao interessado aceder ao conteúdo através duma simples pesquisa (sempre fugaz…) no seu pequeno écran táctil; depois de ouvir, contudo, fica-se outra vez “de mãos vazias”, sem nada. O 2.º factor é a imaginária superioridade da qualidade acústica do “vinil” (outrora dizia-se, “disco de 33 rotações”, em vinil) sobre a reprodução apresentada pelo CD. Tudo isto é aliás muito relativo, pois um rádio-leitor de CD de boa qualidade, a ler uma boa gravação de CD, nada fica atrás dum gira-discos normal, sobretudo se o disco estiver sujo ou riscado (ou a própria agulha gasta…).
Como um mendigo, a vasculhar num caixote de lixo…). À medida que os “stocks” de CD das grandes lojas da especialidade se foram vendendo e esgotando, a oferta de qualidade foi desaparecendo; e as minhas idas às lojas tornaram-se mais raras. Optei por consultar o “Youtube” (e outros “sítios”). E através de algum familiar ou amigo, encomendar (dirigindo-me ao “señor Bezos”) o que me interessava, se é que o tal CD ainda existia. Para música antiga da Escócia ou da Bósnia (entre as minhas muitas favoritas), o “Youtube” é um “fabuloso” museu. Mas noutro dia, tendo o tempo livre, desloquei-me a uma das tais lojas a que ia, num grande centro comercial, entre Porto e Matosinhos. Já sabia que ia vasculhar “as sobras das sobras”; mas, até para indagar o estado da decadência, lá fui aos 3 ou 4 grupos de prateleiras que (ainda) vendiam o ameaçado CD. Na música ligeira portuguesa actual, ainda havia uma certa variedade. Porém no resto, além de algumas limitadas promoções de sucessos, a oferta era realmente “pindérica”, passe a expressão. Pelos vistos, para se comprar fisicamente um bom CD, tem de se procurar em lojas “manhosas”, que os vendem usados, mas que fingem ser novos. Ou andar a grava-los na “internet” (e penso que isto até nem é legal).
Porém, ainda consegui comprar, “barata”, uma rara ópera de Telemann). Tratou-se do desconhecido “Miriways”, deste mestre alemão do barroco (n. em Magdeburgo, 1681-1767). No seu criativo estilo muito próprio (que pouco fica a dever ao de Hasse ou do próprio J. S. Bach, mas sempre a uma certa distância do grande Handel), Telemann escreveu-a em 1728, com um enredo (inesperado) baseado na vitória de 1722 dos afegãos de Qandahar sobre o imperador persa (comandados por um tal Mir Mahmud, filho do revoltoso Mir Wais). É verdade porém que, em matéria de ópera, os meus favoritos são antes Rossini, Donizetti, Porpora, Vivaldi, Vinci, Verdi, Offenbach, Glinka, Purcell, Mozart (Wagner, só nos instrumentais), Lehár, Johann Straus, e toda a vasta zarzuela espanhola. E disso já eu havia comprado muito e eles já não tinham nada… Só jazz, “blues”, e a dita “música eletrónica”.
Livrarias que não vendem Atlas geográficos!). Outra característica da decadência cultural do nosso País e do nosso tempo são as muitas livrarias onde não há Atlas à venda… Ou aquelas em que é mais fácil encontrar romances históricos, do que verdadeiras biografias e livros de História (idem, no que se refere a séries, nos canais de TV, ou outros “media”). Paralelo a isto, é o fim do ensino obrigatório do Francês (antes do Inglês), no ensino secundário. Ou a escassez de exames nacionais. Ou a desvalorização da História e Geografia, como cultura geral obrigatória, mesmo para quem segue Ciências. Que espécie de cidadãos-votantes estamos a formar? É que o voto democrático só vale, se fôr um voto esclarecido…
A terminar…). Por último, refiro que o título deste meu trabalho se inspira na obra fictícia homónima, de James Fenimore Cooper (1826); sendo “o último” dos índios Mohicanos (do norte do estado de New York), um tal Uncas; e a dita tribo foi de lá desalojada em 1664 pelos seus inimigos, os Mohawks. E outras vantagens do CD, é que não se risca nem apanha pó; é pequeno; contém folheto explicativo; e é secreto e privado: não deixa “rasto” electrónico das preferências do comprador. Ao contrário do uso da Internet, claro está…

Eduardo Tomás Alves

Eduardo Tomás Alves

16 maio 2023