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No rescaldo do Festival de Órgão

 

 

Terminou ontem a 9.ª edição do Festival Internacional de Órgão de Braga (FIOB), desta vez dedicado ao órgão e à dança. Por razões diversas, só aproveitei pouco mais de metade dos seus concertos, o suficiente, contudo, para confirmar o que os anteriores festivais me tinham já feito perceber: a enorme qualidade deste evento cultural e artístico.

O FIOB começou na Sé Catedral, na noite do dia 28 de abril, onde se fizeram ouvir os dois órgãos (do Evangelho e da Epístola) acompanhados de gaitas de fole e tambores, e terminou um pouco mais acima, na Igreja de S. Paulo, na tarde do dia 14 de maio, com uma Viagem pelas Danças da Europa, a cargo da Orquestra Sinfónica do Atlântico. Pelo meio, o Festival passou por diversas Igrejas da cidade de Braga (Salvador [Lar Conde Agrolongo], S. Lázaro, S. Vítor, Terceiros, Pópulo, Montariol, Misericórdia, Conceição [Instituto Monsenhor Airosa] e Santa Cruz) e percorreu diversos estilos de música, de diferentes períodos. Organistas portugueses e estrangeiros, assim como inúmeros instrumentistas, cantores e dançarinos, deram corpo e voz a uma série significativa de concertos de alta qualidade.

A participação nestes concertos suscitou em mim algumas reflexões, tendo em conta o passado, o presente e o futuro do órgão de tubos (e, em última instância, da música), que agora partilho com os meus leitores.

Em relação ao passado, foi pena que tenham sido remetidos ao silêncio, durante séculos, a maior parte dos órgãos da nossa cidade, com a consequente degradação que tal significou. É de todos sabido, mas não por todos assumido, que estes instrumentos se estragam mais por não serem usados do que por tocarem.

Em relação ao presente, é com estranheza que vou ouvindo alguns responsáveis das Igrejas da cidade dizer que “o órgão só toca em concertos”, assim como alguns organistas que se queixam de lhes ser vedado o acesso aos órgãos de tubos. Nalguns casos, durante as celebrações, o órgão por excelência está calado e só “fala” o órgão eletrónico. Será para legitimar os significativos investimentos – alguns na ordem das largas dezenas de milhares de euros – que nele se fez?

Em relação ao futuro, permitam-me que deixe aqui um incentivo em ordem à recuperação de alguns dos órgãos históricos que estão “em silêncio”, dos quais se destacam o do Bom Jesus e o de Tibães. No primeiro caso, foi com pena que vi serem recuperados a Basílica e o monumental complexo da sua envolvência, mas não o órgão. Resta-me acrescentar que o Bom Jesus só será plenamente Património da Humanidade quando puser a falar ao seu “rei dos instrumentos”. No caso de Tibães, não sei qual seja a dificuldade para que tal recuperação aconteça; sei apenas que é uma perda irreparável para a nossa geração nunca ter ouvido tão importante instrumento.     

Seria também desejável dotar a cidade de um órgão sinfónico (a Igreja de S. Paulo, pela sua dimensão e acústica, parece ser a mais adequada) e criar, no Conservatório Calouste Gulbenkian, a classe de órgão. Sem isso não é fácil incentivar os mais novos à opção pelo órgão, possibilitando estudos superiores na Escola de Música da Universidade do Minho.

Penso que também já vai sendo tempo de dotar todos os santuários de um órgão de tubos, a começar pelo de Nossa Senhora do Sameiro. Urge também ir pensando num Museu do Órgão e da Música, tendo em conta que Braga é a cidade europeia que mais órgãos concentra e atendendo ao vasto, rico e fecundo passado musical da Cidade dos Arcebispos. A Arquidiocese e a Câmara Municipal de Braga são seguramente as entidades que se apresentam com condições para dar início a tal projeto, caso achem pertinente esta proposta. 

Termino com uma palavra de felicitação ao Dr. José Alberto Rodrigues, a quem se deve a ideia e a direção artística do Festival Internacional de Órgão, desde a sua origem, e às entidades que economicamente o tornam possível (o Cabido da Sé Primaz, a Câmara Municipal de Braga, a Santa Casa da Misericórdia de Braga e a Irmandade de Santa Cruz), algumas das quais se fizeram representar na maior parte dos concertos.

A pertinência artística e cultural do acontecimento, por um lado, e a adesão massiva do público (todas as Igrejas encheram) justificam a sua continuidade e o eventual alargamento geográfico e temporal deste evento artístico que está ao nível do melhor que se faz na Europa. 

 

 

 

P. João Alberto Correia

P. João Alberto Correia

15 maio 2023