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A “cultura” do barulho

“O mundo está ruidoso. Há barulho por todo o lado e música a mais”. (Adriana Calcanhoto, cantora)

 


 A sociedade contemporânea vem adotando o ruído como parceiro p’ra vida, considerando a moderação e o silêncio inimigos da modernidade. Ou seja, tudo é realizado e se faz de modo que ele seja uma forma de medição do êxito de qualquer coisa. Até tivemos, já, um programa da TV, ao serão, cuja apresentadora pedia ao público: “vá lá malta, façam barulho” – como fator para elevar as audiências no seu programa. Hoje, reinam os mais variados ruídos. Então, nas zonas urbanas a coisa atinge foros inadmissíveis num Estado de direito. Ou será que a proliferação de casas de aparelhos auditivos não é um sinónimo de que há muita surdez? 

 Com efeito, nestes crescentes dias solarengos e noites quentes a convidarem as pessoas a irem beber um copo e refrescarem as gargantas, suposto seria que tal se fizesse livre da bagunça em que, por vezes, as noites se transformam em algumas das nossas cidades. Sobretudo nos seus centros históricos, mais procurados pelos bares abertos até altas horas da noite, o que se constitui num autêntico pesadelo para quem lá vive, violando o direito ao silêncio e ao descanso. Aliás, como sucede em Lisboa e no Porto, embora Braga já as procure imitar. 

 Na capital, os moradores dizem que já não há quem controle a abertura de bares ilegais. E, a uns e outros, ninguém faz cumprir o regulamento existente. Havendo ruas em que o ruido é de tal ordem que mais lhes parece viverem paredes meias com um estádio em pleno jogo de futebol. Contando na ajuda a tal contenda noturna com os restaurantes, que se vão adaptando à noite, transformados em verdadeiras discotecas. Só numa zona, segundo o JN, existem 80 bares e restaurantes barulhentos abertos, sem controle algum, à revelia dos planos de urbanização. 

 Ademais, com o turismo a crescer, ninguém quer saber se naquela rua moram crianças idosos, gente cansada ou em sofrimento. O importante é os folgazões darem largas à diversão, mesmo que invadam os espaços de quem procura dormir, retemperar forças e ânimo. Situação a que nem a polícia, praticamente desprovida de poderes, consegue pôr cobro, tal é a indisciplina e a falta de respeito para com os residentes que ali pagam as suas rendas de casa. E quando ela aparece, logo vira costas, tal é a multidão e a gritaria que a intimida. Estou a falar de ruas outrora pacatas e tranquilas transformadas, atualmente, em polos de cantoria, gritaria em altos decibéis.

 Desgraceira idêntica se verifica na cidade do Porto, embora o Edil Rui Moreira tivesse vindo, no início do ano, decretar novas regras para o funcionamento dos bares e similares nas ruas da cidade Invicta. Porém, se não houver policiamento e fiscalização, com pulso, para impedir abusos, de pouco adiantará. É que já não é só a chinfrineira é, também, o espírito de malvadez perpetrado a quem se queixa, levando com agressões verbais, petardos e represálias à mistura. Dado que aquilo que é preciso é muito álcool e alucinogénios que façam os notívagos se sentirem felizes com a balbúrdia. E quanta mais melhor. 

 É assim a liberdade neste nosso país, em que a de uns se sobrepõe à dos outros; em que as nossas edilidades fazem tábua rasa da Constituição da República portuguesa. Mais parecendo um Estado “fora-da-lei” onde a quem mais barulheira produz, lhe são dados todos os direitos de rebaldaria e farra, roubando o direito ao sossego a quem ali já vive e que era suposto não sofrer tamanhas arrelias, nem colher tanta indiferença de quem de direito. 

 Ora, se há algo que ardentemente se espera e deseja das autoridades bracarenses é que estudem, ordenem, promovam regras e façam cumpri-las com zelo e afinco. Para que a nossa cidade dos Arcebispos não vire de Augusta, pacata e serena, a babilónia dos nossos tempos. Mormente, que nos seus lugares históricos não impere a “cultura” do barulho, da javardice e do arraial noturno até altas da madrugada. 

 

  

 

     

          

Narciso Mendes

Narciso Mendes

15 maio 2023