Não é fácil, com certa frequência, distinguir entre aquilo que os cidadãos devem fazer por sua livre iniciativa e os espaços que o Estado deve cobrir com a sua capacidade de acção.
Algumas opiniões políticas têm a tentação de dominar todos os sectores, “aperreando” ao máximo o que os privados podem, por sua própria capacidade, realizar. Habitualmente, esta tendência acaba por criar muitos focos de serviço – ou mais do que de serviço, de empregos – que não são necessários e funcionam com defeitos visíveis a olho nu: demoras nos prazos acordados, desinteresse ou inanidade em relação às soluções determinadas, vagarosidade na realização das tarefas, muitos postos de emprego que não são necessários e custam dinheiro inútil aos cidadãos contribuintes.
É óbvio que o Estado tem um papel muito importante na vida dos cidadãos. Mas estes são seres livres, com capacidade de realização de muitas tarefas, que não requerem o monopólio do poder público. Quando este exorbita as suas funções, habitualmente cria instrumentos desnecessários, cujo funcionamento é, dum modo geral, imperfeito, lento e pouco atractivo. Há muita gente que lhe pertence e dele vive, mas, como já dissemos, não era preciso que assim fosse.
A iniciativa privada necessita de se impor pela sua própria natureza. Ou é bem gerida, ou acaba por dissolver-se e desaparecer. Por isso, uma empresa tem consciência de que se não trabalha bem, acaba por sossobrar, tanto mais que, duma forma geral, há concorrentes que, ao apresentarem as tarefas com maior perfeição, acabam por ser mais procuradas, enquanto ela é preterida. E assim como nasceu, assim se sume...
Ao Estado compete criar na sociedade que gere os meios necessários para que os cidadãos encontrem soluções adequadas para as suas necessidades efectivas. Mas não criar fontes de emprego inútil, que não são bem geridas, que custam dinheiro aos contribuintes e não apresentam soluções satisfatórias. Não é pelo facto de existirem muitas repartições públicas devotadas a todos os assuntos, que a sociedade se torna mais justa e mais agradável. Pelo contrário, a criação duma burocracia universal traz muitos problemas aos cidadãos.
Há pouco, um amigo queixou-se de que queria tratar de um assunto da sua vida pessoal e teve de consultar e pedir autorização a vários sectores do poder público, que acabavam, inevitavelmente, por lhe dizer que era necessário recorrer a outra repartição. Sempre mais uma, numa interminável sucessão de dimensões da autorização que ele pretendia alcançar. Por fim, lá conseguiu chegar ao que desejava, mas duas semanas passadas e eis que recebe uma advertência que o sobressalta: a autorização só podia consumar-se se obtivesse o parecer concordante duma repartição pública que não tinha consultado, pelo que a licença não era válida...
O Estado existe para resolver os problemas dos cidadãos com justiça e não para complicar a existência dos que lhe pertencem. Por isso, invadir todos os espaços da vida das pessoas, numa inútil tentativa de ser ele a solucionar universalmente as questões, ou de examinar com olhos de polícia minucioso e complicado alguma pretensão privada, é uma atitude semelhante à de uma “mãe galinha” que protege e amima tanto um filho, que acaba por transformá-lo em alguém que não tem a autonomia necessária para realizar, com sentido de responsabilidade, o que podia e devia fazer por si mesmo. Além de que, uma burocracia incomensurável acaba por se transformar num travão à iniciativa de quem deseja trabalhar com um certo grau legítimo de liberdade, ou seja, de quem não quer tropeçar numa série interminável de autorizações sucessivas e de necessidade muito discutível.
Com tudo o que se disse, não se deseja, de forma alguma, insistimos, fazer desaparecer o Estado da vida dos cidadãos. Ele é absolutamente necessário para que uma sociedade viva com liberdade e em liberdade. Para tanto, é preciso confiar-lhe funções e tarefas, que ele deve assumir com absoluto respeito e competência, como a justiça, o bem estar, a segurança, a defesa da privacidade, a saúde, o acesso de todos à educação e a tantos outros factores que tornam uma sociedade num espaço de boa convivência humana.
Mas quando um Estado exagera as suas funções, acaba por se transformar num elemento que, além de atrofiar a normalidade na convivência dos cidadãos, torna-se num foco de paralisia das suas capacidades de iniciativa e de acção. Uma sociedade humana quando não é autenticamente livre, de facto, deixa de ser humana de verdade. Porque o homem é, de facto, um ser livre. Por isso, precisa de um espaço vital e social adequado para poder exercer a sua actividade de acordo com a natureza que lhe é própria.