O impacto mediático global da coroação do Rei Carlos III é momento propício a refletir sobre os modelos republicano e monárquico, sobretudo quando, como em Portugal, decorridos quase 123 anos ininterruptos de duração da República, os canais informativos portugueses tenham ocupado a programação televisiva do passado sábado, a transmitir as cerimónias em direto, com uma audiência de milhões de espetadores. Será isso um sinal da vontade coletiva maioritária de um regresso ao passado do regime monárquico?
É ajustado dizer que a coroação majestática no Reino Unido tem um cerimonial que preenche o imaginário pueril duma larga maioria de pessoas, no encantamento do cortejo de príncipes e princesas. Na Europa, das oito monarquias parlamentares – Bélgica, Dinamarca, Luxemburgo, Países Baixos, Espanha, Noruega, Suécia e Reino Único – apenas a última vem mantendo a celebração da coroação, com a pompa e cerimónia que Elgar musicou. Uma das grandes composições musicais de sempre, o “coronation anthems” de Haendel, foi criado para a coroação de Jorge II, em 1727.
Robert Hazell, professor de governação e constituição da prestigiada University College London defende que a cerimónia “é sobre tradições”, que remonta aos reis anglo-saxónicos, sendo a primeira a realizar-se na Abadia de Westminster no dia de Natal de 1066, mas datando possivelmente a coroação mais antiga ao século VI. As crianças britânicas aprendem que os reis são coroados, pelo não podem ser dececionadas.
Hazell e outros autores englobam o Reino Unido no que categorizam de “crowned republic”, um sistema que é usado para designar um regime em que o papel do monarca é visto como cerimonial e onde as prerrogativas reais são exercidas dum modo que o rei tem um reduzido poder sobre os assuntos constitucionais e políticos. Reina, mas não governa. O futuro rei é educado desde a nascença para suceder nessa posição, sempre numa missão de serviço ao país. O Rei é a garantia da estabilidade democrática do País, não toma posições pessoais, mantém uma posição de isenção e neutralidade, mas tem, no entanto, a oportunidade de apresentar os seus pontos de vista e incentivos ao primeiro-ministro em audiência.
Num reino seria improvável ter acontecido o que se passou nos últimos tempos com a cisão televisionada e pouco recomendada entre Marcelo e Costa. Mesmo os indefetíveis de Costa, depois do esvaziar da espuma, reconhecem que foi um tremendo erro do primeiro-ministro afrontar o presidente, logo por causa da demissão de um ministro que, pouco há quem duvide, é politicamente responsável pelas deploráveis cenas que se passaram no seu ministério que, ainda para piorar revelou, qual elefante numa loja de porcelana, em conferência pública. Precipitadamente, foi revelado que Marcelo foi humilhado e alguns pugnaram que o secretário geral do PS revelou autoridade do Estado. Mas esta não deve ser exercida contra o presidente da República, que até então era um grande suporte do governo, exigindo apenas o acertar de agulhas. Desregrados os carris, a personalidade de Marcelo tenderá para uma crítica constante ao que está mal, presidências abertas em visitas às zonas degradadas do país, apontando a pobreza e as dificuldades porque passam os portuguesas com o aumento do custo de vida, abrindo a via para a construção de uma oposição à direita e dissolvendo a Assembleia se esta se consolidar em termos de alternativa de governação. Um pouco como Jorge Sampaio em 2004 quando não dissolveu de imediato o Parlamento após a saída de Durão Barroso, preferindo queimar em lume brando Santana Lopes e apoiar a afirmação duma maioria socialista, para então dissolver a Assembleia.
O recato do rei seria preferível à intervenção presidencial? É difícil responder. A implantação da república não trouxe ao povo as expetativas de liberdade e progresso que proclamava. O que importa ao regime é a democracia e esta existe nas monarquias constitucionais e nas repúblicas. A um povo que se habituou a eleger o presidente não basta a possibilidade de uma eventual mudança de regime por referendo. A experiência não revela que a mudança do regime monárquico parlamentar para a república parlamentar ou vice-versa traga maior prosperidade para os governados. É tudo uma questão de tradição e o mais provável é que a coroa monárquica e a cara presidencial se mantenham nos países onde tal acontece atualmente.