Vivemos tempos impensáveis até há bem pouco tempo. A guerra parecia algo do passado, algo que víamos nos livros e bem longe de nós.
No entanto, a realidade torna-se cada vez mais dura, quando vemos que a guerra está mesmo aqui ao lado, que o mundo está em constante convulsão. As imagens televisivas diárias, entram em nossas casas, mostrando olhos pejados de lágrimas e sofrimento, olhos que apenas avistam dor e destruição num horizonte sempre negro.
São também quase diárias, as notícias de migrantes que em busca de uma vida melhor, transportados em barcos sem qualquer segurança, perdem a vida no mar.
Os que sobrevivem são amontoados em campos de refugiados, sem condições mínimas de salubridade, incitando a violência física e emocional e uma exponenciação sem qualquer limite da dor.
Felizmente, alguns destes refugiados ou migrantes conseguem integrar a nossa sociedade. Almejam adaptar-se às rotinas, tradições e hábitos, de modo a esquecer, se é que é possível, o que lhes marcou a alma. A dor, essa tomará várias formas e significados, será ela comparável à dor dos que por aqui vivem?
O conceito de “dor” é algo que os indivíduos aprendem ao longo das suas experiências de vida, ela é tida como "uma experiência sensorial e emocional desagradável associada, ou semelhante à associada, a danos reais ou potenciais nos tecidos"(IASP). É por isso, sempre uma experiência pessoal influenciada por diferentes fatores biológicos, psicológicos e sociais, devendo o seu relato ser respeitado. Estas constatações implicam de todos nós uma reflexão enquanto profissionais de saúde, pois, poderemos nós considerar uma dor de um refugiado ou migrante a mesma dor de um português, que aqui viveu sempre?
As vivências pessoais são diferentes, não posso dizer melhores ou piores, pois como diz o velho ditado “cada um sabe de si”, mas temos consciência de que serão diferentes os parâmetros culturais e de educação e que estes têm influência direta na perceção da dor e referenciação da mesma.
Então, quando quase de modo automático aplicamos uma escala de dor para a podermos quantificar numericamente, estamos com isto a perder muita informação relevante, principalmente o que significa a dor, que dor é esta, será que ela é mesmo aqui ou é apenas uma dor referida de uma outra qualquer estrutura.
Alguns estarão neste momento a dizer, claro que a dor pode ser referida em qualquer sujeito, e eu não discordo, apenas questiono o quanto desta dor poderá ser emocional para alguém que perdeu tudo o que tinha, para alguém que acordou com o ribombar dos misseis, ou alguém que a última vez que viu o rosto de quem mais ama, foi quando este foi engolido pelo mar. A dor será a mesma? As estruturas anatómicas são, mas o significado da dor será o mesmo, ou de facto as experiências ao longo da vida toldam a capacidade de julgar, fazendo com que aquela dor em específico seja muito maior ou muito mais pequena do que o que seria expectável.
E porquê dissertar sobre a dor, sobre refugiados e migrantes? Porque eles cada vez mais integram a nossa sociedade e porque temos de estar alerta, são casos clínicos diferentes, provenientes de outras paragens e que pensam a dor de forma diferente. Cá por terras de D. Afonso sabemos que “o que arde cura”, “não há dor que o tempo não cure” o que nos leva a "Dor é o tormento que traz, após si, o contentamento", mas será que para os outros povos é igualmente assim? Ou nós fisioterapeutas devemos repensar o que fazer, como avaliar, como perceber essa dor, que exaspera ou será que para outros engrandece?