O presidente da República fez, na última quinta-feira, uma comunicação ao país sobre a polémica provocada pelo primeiro-ministro ao não demitir o ministro Galamba. Estava a sair do Mau Feitio, onde acompanhei a comunicação presidencial, quando a D. Berlinda Carapuça, que passava em frente, do mesmo lado do estabelecimento de restauração, me inquiriu:
- Então, que acha do discurso do Presidente?
- Foi oportuno, incisivo, claro e demolidor, respondi.
- Faço a mesma leitura e depois disto, ou Costa se demite ou é um cara de pau, completou a interlocutora.
A conversa não acabou aqui, mas mudou logo depois de assunto e esse não cabe na crónica. Foi este o mote para as linhas que se seguem, escritas durante a tarde de Domingo, em casa, apesar da meteorologia incentivar a dar uma voltinha até à praia.
O primeiro-ministro não se demitiu nem voltou atrás na sua decisão de manter Galamba no ministério das Infraestruturas. Por quase nada, comparado com o que aconteceu, outros se demitiram. E ainda hoje, perante as circunstâncias e a gravidade do que se tem passado, se demitiriam. O próprio ministro reconheceu que o caso era suficientemente grave e que devia tirar consequências “em prol da necessária tranquilidade institucional”, embora alguns pensem que tenha sido fita, o que não é de excluir de todo. Costa, em vez de corresponder ao pedido do governante e ficar alinhado com o Presidente e com a maioria da opinião pública, seguiu a via mais estranha, mais estapafúrdia, mantendo o colaborador. Foi esta reacção que se não compreendeu e incendiou a vida política nacional.
Ao contrário do habitual, de Belém não chegou água para apagar o fogo que lavrara, desta vez, quase sem controlo, para os lados de S. Bento. O presidente colocou os pontos que faltavam nos ii, lembrando que a opção do primeiro-ministro tinha posto em causa o “prestígio das instituições” e que, por isso, doravante, garantiria uma atenta e ainda maior vigilância ao Executivo. Costa apareceu no sábado a esvaziar a sova que levou de Marcelo, considerando normal haver divergências entre instituições democráticas. Aparentemente, parece não ter levado a reprimenda presidencial a sério, mas será bom que o aconselhem a que não seja tão atrevido e arrogante.
Esperava-se que o presidente dissolvesse a Assembleia da República. Costa também esperava que a “manobra de diversão”, para usar a caracterização do Partido Comunista Português, produzisse o mesmo resultado daquela que levou à dissolução anterior. E muitos correligionários socialistas também, apesar de não terem visto nada de anormal no comportamento do ministro nos casos do seu adjunto, da reunião preparatória da ex-presidente executiva da TAP antes desta prestar declarações e da sonegação de informação à Comissão Parlamentar de Inquérito e, ainda, de acharem que Costa fez bem em não aceitar o pedido de demissão do ministro. Registe-se, no entanto, que o presidente do partido socialista já tinha feito saber que o governo precisava de se rejuvenescer. Aparentemente, Costa não ouviu.
E agora? A crise instalou-se ao fim de sete anos de convivência harmoniosa e de protecção recíproca; e parece feia, com potencial para um final infeliz e antecipado. Desta vez, a acontecer assim, o que é previsível, a responsabilidade fica bem melhor definida do que na interrupção da anterior legislatura. Será de António Costa e do Partido Socialista e de mais ninguém. Não haverá parceiros para culpar. O presidente já avisou disso, com muita clareza e boa dicção.
O primeiro-ministro não tem sabido ou podido pôr ordem no quartel e o combate às labaredas foi sempre frouxo e errante. Algumas vezes, houve desleixo e até lançamento de matéria inflamável, como no último incidente. Por estes dias, talvez mais cedo do que tarde, um simples fósforo poderá provocar um incêndio de grandes dimensões. Nessa altura, o presidente cortará o mal pela raiz e dirá, de uma vez por todas, quem manda, de facto. Nenhuma máscara de pau é à prova de fogo.