1- A democracia tem destas coisas. Coisas feias. Bem feias e desaconselháveis. Causam incómodo. Não fica bem ao regime, aos políticos, ao país assistir a tão deplorável espectáculo. As figuras cimeiras da nação resolveram dar “show” na Assembleia da República (AR), convidando para o efeito um personagem polémico que causa embaraços a uma franja de deputados nacionais pelo seu passado recente ligado a crimes de corrupção. O espectáculo dado na AR representa um dos sinais claros da degradação da democracia. E da política. Revela incapacidade e pesporrência de uma plêiade de políticos de má qualidade que têm a canseira de representar este povo. Por sinal, alguns deles, governantes, estiveram presentes num dos maiores fracassos governativos que aconteceu neste país, em que atiraram a economia para as trevas da austeridade. Foi um tempo triste em que estranhos foram mandatados para comandar os destinos dos portugueses.
Como não chegavam os episódios lamentáveis na AR, o que se passou à volta do pedido de demissão de João Galamba é mesmo surreal com uma encenação de confronto de poderes entre o Presidente da República e o Primeiro-ministro. As cenas estão ainda em aberto para o português apreciar e ficar embasbacado numa altura que seria mais aconselhável ponderação, responsabilidade e sentido de Estado dado as circunstâncias complicadas que existem no país.
2 - O debate, o contraditório, a garra com que se defendem as causas fazem falta, muita falta, ao regime. Sem debate, sem contraditório e sem garra a democracia definha. Não presta. Não serve para nada. Por outro lado, a falta de educação, as birras, o desrespeito, o enxovalho não cabem na democracia. Nem podem caber. Daí, não ser novidade a fricção que existe na política nacional. E cada vez mais. Não é por falta de avisos que a democracia está a descambar. Está a perder élan por motivos das cenas tristes que protagonizam os pivôs partidários, com particular destaque para os socialistas que se julgam, na maré, os donos disto tudo. Também por incumprimento das promessas que fazem para apanhar os incautos. A democracia está a perder o esplendor da liberdade e os atributos de coesão. Está a perder elegância e inteligência. É notório a irracionalidade sectária e a crispação. E a tendência, infelizmente, é para se agravar.
3 - De quem é a culpa deste “circo” na Casa da Democracia? Quem investe neste ambiente de crispação e de intolerância? A verdade é que ninguém assume essas culpas. Nem querem assumir. Por recearem possíveis consequências. E más consequências. Tudo se mede em termos eleitorais, claro. Não em progresso. Não em bem-estar. Não na resolução dos problemas. O que importa e o voto e o jogo do poder está sempre presente. Por isso, a coragem e a responsabilização são arrumadas para os cantos da sensatez e da sã convivência democrática. Esses valores não contam. O que é pena. Mas, há culpados. Sem dúvida. Há quem invista forte em toda esta bagunça que ocorreu no 25A para retirar dividendos políticos. Para se posicionar. Para passar as culpas para os outros. A ideia que passa é que, ao fim de 49 anos de liberdade, ainda não sabemos viver em democracia. Ainda temos o bicho bem vivo do “quero, posso e mando”, próprio das pessoas de má memória. Ou sem memória.
4 - O poder, nestes quase oito anos de governação, está mais interessado em espezinhar a oposição do que governar como deve ser. O poder, claramente, tem sido prepotente e nepotista. Incapaz e mixordeiro. Não tem demonstrado respeito pela função dos outros (oposição) no quadro democrático. O poder ri-se. Goza ou tenta gozar. O poder açambarca com avidez e acidez todos os lugares do Estado e das instituições para colocar lá os seus, mesmo que sejam incompetentes e inaptos. Mas, coloca-os. E depois dá nisto: estagnação, esbanjamento de recursos e circo. O poder não aceita a alternância, porque a alternância - dizem eles - somos nós próprios. Assusta-os perder o poder. Perdendo o poder lá se vão as mordomias. As influências. A vaidade. Não é por acaso que os euritos vão aparecendo. E bem propagandeados para tapar os casos e os casinhos. E todas as outras “tramóias”. A TAP não será uma gigantesca tramóia?