A caminho dos 50 anos do 25 de Abril a degradação máxima institucional varre o Estado do topo à base. O país vive remediado, a dependência social e económica daquele é impressiva, retirando liberdade aos governados que não têm mais iniciativa ou engenho e aos governantes que se autolimitam na mudança que possa provocar reacções de descontentamento dos que possam transmutar-se para outros campos políticos. A igualdade de oportunidades é uma miragem: ou se tem dinheiro ou contactos, pois à míngua destes só a sorte ou a emigração podem corrigi-la. O corpo do Estado é mais constitucional do que real, há muito foi arregimentado por uns poucos do establishment. Tratam o Estado como terra própria ou simples recreio. Tão queirosiano que impressiona. Eça dizia “nunca temos por isso a atitude da nossa consciência, temos a atitude do nosso interesse”. Assim é, uns quantos que, assenhorando-se do poder, estruturaram e estreitam o caminho, de forma tentacular e pérfida, dos que ao mesmo poderiam aceder para que estes não entrem ou desistam de entrar. Começa a dar a impressão que são sempre os mesmos, durante demasiado tempo com poucas excepções, normalmente que acabam estigmatizadas pelo núcleo central. Talvez pudéssemos começar por eliminar o paradigma partidário que alguns cimentam como terra de certas famílias, vassalos úteis ou centros de emprego. O crescimento económico é pífio posto em perspectiva com aqueles que nos deveríamos querer comparar e que vai existindo, sobretudo, por algum ainda arrojo empresarial e apesar do desgoverno e do arrebanhar do rendimento produzido pelo país com uma carga fiscal cada vez mais intolerável, sem contrapartida no arrimo dos serviços públicos. A produtividade é exígua. Pergunta-se pela saúde, impostos e taxas; pergunta-se pela justiça, sai custas; pergunta-se pela educação, entra impostos; pergunta-se pela segurança, vai coimas; não há ideias, mas há contribuições, IRS, IRC, IVA e por diante. O Estado demite-se das suas funções: a saúde absorve cada vez mais recursos que se esvaem como água no deserto, com fuga massiva de quem pode para o sector privado; a educação amargura os mais desfavorecidos (sem acesso a outras vias) com cada vez mais sentida dificuldade em razão da pandemia e o que se seguiu; a justiça paradinha, subjugada a custos que esganam o seu acesso e a atrasos indignos que avassalam a economia e o Estado que se diz de Direito. A segurança desfalcada de pessoas e de meios; os serviços prestados em roda viva, sem responsabilização que os desleixa, sem eficácia. Tudo pontuado por greves sucessivas do sector público, algumas de legalidade questionável e que, aliadas à ineficiência ou emaranhado de complexidades criadas sem sentido nos serviços estaduais, apenas têm um sacrificado: não a “entidade patronal”, mas os cidadãos contribuintes. Isto nas barbas do governo socialista que, diariamente, se esfrangalha com comportamentos e condutas desconcertantes, de intriga até, de alguns que aí chegaram sem experiência e/ou sem sentido ético ou institucional que minam a confiança e a autoridade; um primeiro ministro que, ou ignora, ou se esfuma, ou é capaz de dizer hoje que o preto é branco e amanhã o inverso com o mesmo sorriso na cara sem cair o pano. Não está nem aí… O povo esmorece, indiferente ao palco de luzes e orquestra que lhe dão (não sem bilhete), macambúzio por castigado em impostos que às vezes nem vê, ou sem rendimentos que possam ser castigados, inflação, disrupções públicas; não exige ou responsabiliza, pois se está preocupado em sobreviver às suas vulnerabilidades que o empurram para a dependência grave de um Estado asfixiante, contando com preocupações maiores, a de saber se o dinheiro dura até ao fim do mês. A pintar este quadro alastram extremismos alimentados por estes egos de quem dirige e governa em moldes pouco condizentes com o que designamos por bem comum. É este género de coisas, este esboroar da sobriedade, seriedade e respeito que se impunha a quem lidera os destinos da nação, que fortalece os radicalismos e populismos fáceis. Triste sina, país amorfo, Estado impregnado de caruncho. O 25 de Abril e os seus artífices mereciam melhor fado.
Estado carunchoso

António Lima Martins
6 maio 2023