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No dia de quem trabalha

 

 

Pertenço àquela geração que cedo começou a trabalhar. E como muitos da minha idade (ainda menor) tive o meu primeiro emprego. O qual, para além de me ter proporcionado ter o tempo ocupado, me deu as ferramentas para a minha vida futura. Pois tive a sorte de ter como mestre de ofício um homem que chegou a ser um dos maiores empresários, na área comercial, na cidade dos Arcebispos. Considerando-se não um patrão, mas um mero trabalhador, que para além de ser o primeiro a entrar na empresa, em todos os dias do ano, era o último a sair e um exemplo de dedicação e trabalho. 

 Para ele não havia distinções, embora tivesse de ajuizar diariamente se os horários eram cumpridos e se não havia distrações, ou menos zelo, em relação à atenção para com o público consumidor, fonte de rendimento e da sustentabilidade do negócio ali exercido. De resto, todos contribuíam para a navegabilidade do barco de que ele era apenas o timoneiro. Daí, o seu orgulho em pagar os salários aos seus cerca de 40 empregados, sempre acima das tabelas salariais acordadas entre o Sindicato e a ACB.

 Anualmente fazia questão de ser ponto de honra, ainda antes e depois do 25 de Abril, de se juntar aos seus funcionários para juntos comemorarmos o 1.º de Maio, Dia do Trabalhador (DDT) a partir da Revolução dos Cravos. Efeméride iniciada com uma peladinha de futebol amigável no campo do Seminário do Sameiro, entre equipas formadas a partir do quadro do pessoal, como preparação para o repasto que se lhe seguiria. Comezaina que tinha lugar normalmente no Centro Apostólico do Sameiro, desde que este abrira, em convívio e amena cavaqueira entre os comensais.  

 Porém a coisa não se ficava unicamente pela refeição, dado que havia sempre quem fizesse um discurso da praxe e o respetivo brinde alusivo ao dia de quem trabalha. A que se lhe seguiam as fotografias da praxe. Encerrando a festa já pelo entardecer de onde cada um, segundo a sua fé, se dirigia ao Templo da Virgem do Sameiro agradecer-Lhe por mais um ano de vida e de sã camaradagem. Escusado será dizer que não só se tratava de uma pessoa do reviralho à ditadura, como sem formação católica. Daí, não celebrar o DDT no dia de S. José Operário, mas no feriado político de 1 de maio. 

 Mas afinal por que razão trouxe aqui à liça esta estória de há longa data? Precisamente, porque hoje uma maioria dos nossos empresários não se consideram trabalhadores. Ou porque logo que criam a sua empresa se colocam num mundo à parte, isto é, cresce-lhes um rei na barriga, ou porque não são exemplo de trabalho e conduta dentro das suas empresas. Considerando os seus colaboradores de classe inferior e negando-lhes, muitas das vezes, o justo e devido salário.

 Claro que há exceções. Não seria justo meter todos no mesmo saco, mas há situações de verdadeira desumanidade. Quando se procura ganhar muitos milhões para adquirir luxo, vaidade e têm ao seu lado os que lhe proporcionam essas megalomanias a viverem com enormes dificuldades; sem o suficiente para sobreviverem com dignidade; alguns com famílias a cargo, em enorme ginástica económica para valerem aos seus. 

 Por sua vez, os trabalhadores deveriam atuar de molde que a que não suceda, quando um dia forem trabalhar, depararem-se com um cartaz à porta do emprego a dizer: – “Faleceu ontem uma pessoa que impedia a estabilidade e o crescimento da empresa. Estão todos convidados a assistirem ao seu velório”. E, uma vez lá, curiosos, se debruçarem sobre a urna para verem quem foi o tratante e se depararem, apenas, com um espelho a refletir os seus rostos. Uma caricatura daquilo que por vezes se passa em muitos locais de trabalho com a abstenção laboral, falta de produtividade e de bom senso sobre o que revindicar.

 De modo nenhum deixaria de incluir, aqui, todos os que trabalham no setor público do Estado a quem o dia também lhes é dedicado. Porém, foi na área privada que dediquei mais de 50 anos da minha vida de que deixo aqui o meu testemunho de alguns deles.

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

1 maio 2023