O frenesim de cada dia leva-nos, frequentemente, a esquecer a voracidade do tempo!
A agitação trazida pelo manancial de notícias do país e do mundo, ora nos traz melancolia, ora nos leva a temer pelo amanhã a despontar.
A invasão da Ucrânia pelos súbditos de Vladimir Putin, há mais de um ano, trouxe ao seu povo destruição, morte e sofrimento; à Europa e ao Mundo, desestabilização e incerteza com a consequente subida de preços de bens tão necessários, como a energia e os alimentos, fazendo disparar a pobreza.
Em contrapartida, fez fortalecer a coesão entre os países europeus e reconstruiu os vínculos transatlânticos entre estes e os Estados Unidos da América. De facto, a unanimidade na condenação da guerra e na ajuda ao martirizado povo ucraniano são o melhor resultado que as democracias ocidentais poderiam ter alcançado.
Se a situação internacional desassossega e inquieta, que dizer do estado em que se encontra o nosso país? Que razões existem para tamanha conflitualidade patente na sociedade portuguesa? Que rumo descortinar quando não se vislumbra unanimidade em matérias relevantes para o nosso futuro coletivo?
Na verdade, se pensarmos nos inúmeros focos de tensão existentes de que a longa greve do pessoal docente e não docente e as paralisações constantes dos funcionários da CP – Comboios de Portugal são bons exemplos, não ficaremos tranquilos. Do mesmo modo, se olharmos para a insatisfação generalizada de outros setores de atividade como a Saúde ou a Justiça, ainda encontraremos mais motivos de preocupação e sobressalto.
Paralelamente a este excessivo estado de disputa envolvendo vastas camadas da população portuguesa, é patente um constante afastamento de posições das diferentes forças políticas que inviabilizam convergência em matérias importantes para o futuro do país.
Aquando da conquista da maioria absoluta pelo Partido Socialista nas últimas eleições legislativas, António Costa, prometeu diálogo e afastou a ideia de exercer o poder com arrogância e prepotência. Porém, o que se tem testemunhado não tem sido muito condizente com aqueles propósitos proclamados.
Ainda na última semana, as medidas apresentadas no pacote “Mais Habituação” estão bem longe de qualquer consenso. Embora esta proposta do Governo esteja em discussão pública até ao próximo dia 16 de março, as múltiplas reações geradas não auguram nenhum final feliz.
Dos municípios aos proprietários, levantaram-se imensas dúvidas e larga contestação às medidas propostas.
Da posse administrativa das casas devolutas para colocá-las no mercado, à não audição das autarquias nesta matéria tão sensível, as críticas foram abundantes. A oposição dos partidos à direita do Partido Socialista foi enérgica e não faltaram ameaças ao recurso à Justiça e ao Tribunal Constitucional. Há mesmo quem afirme categoricamente que a medida que obriga os proprietários a arrendarem compulsivamente é inconstitucional. É o caso do reputado jurista, Jorge Bacelar Gouveia, que afirma que a medida fere a Constituição ao pôr em causa o regime da propriedade privada.
Numa matéria tão sensível e tão importante para tantos milhões de portugueses, não seria preferível o Governo ouvir previamente as autarquias e com elas concertar uma verdadeira política de habitação? Não estarão estas mais vocacionadas para porem no terreno formas agilizadas de conferirem a cada português o direito a possuir uma habitação condigna? Ficaria António Costa e o Partido Socialista mais fragilizado se o tivesse feito?
Não me parece!
Julgo mesmo que muitos dos problemas que afetam drasticamente a sociedade portuguesa advêm da falta de diálogo e da altivez dos diferentes decisores que, em distintos patamares, têm de fazer opções.
Governa-se para o curto-prazo, para o ciclo político, para agradar aos apaniguados e não se acha o máximo divisor das ideias veiculadas pelos vários interlocutores, capaz de garantir um rumo com mais ambição e com mais largos horizontes.
Sem nunca deixar de refletir, não nos deixemos abater e mantenhamos a esperança em melhores dias.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira