O dia 24 de fevereiro de 2022 fica para a história como a mais triste efeméride do mundo contemporâneo, porque representa um inesperado retrocesso civilizacional e lança pesadas sombras sobre o presente e o futuro da humanidade. Há precisamente um ano, a Rússia decidiu invadir a Ucrânia com base em falsos pretextos, quando, como todos sabemos, a razão de fundo se prende com a tentativa de reconstrução do antigo império soviético. Todavia, as leis que regem o processo histórico não deixam que nenhum império se reerga a partir das suas ruínas. Na verdade, em nenhuma circunstância de tempo e lugar é possível reverter ao passado e trazê-lo ao hic et nunc do presente cronológico. Re clausa. O império soviético, que se começou a formar nos inícios do século XVIII, tendo chegado a estender-se da Alemanha até aos mares de Bering e do Japão, depois de subjugados numerosos povos e nações, começou a ruir com a queda do Muro de Berlim (1989) e com o colapso de um regime minado por contradições políticas insanáveis (1991). Ora, o processo de desconstrução física, ideológica e espiritual desse vasto império originou a recuperação da independência por parte de numerosos países, como foi o caso da Ucrânia (já tinha sido independente em 1917). Putin, no entanto, contrariando esta conhecida dinâmica, nos seus 24 anos de consulado, tem impedido a autodeterminação de novas repúblicas – como é o caso da Chechénia, cujo movimento independentista foi alvo de uma brutal repressão até à imposição de um presidente fantoche –, fomentado o separatismo pró-russo em países pós-soviéticos e anexado territórios. Se a Ucrânia caísse, com pretextos parecidos ou semelhantes, também cairiam a Geórgia e a Moldova, e até mesmo países satélites, como a Bielorrússia ou o Azerbaijão, veriam ainda mais limitada a sua precária independência. Putin, num dos seus atos de propaganda bélica, difundido pela televisão russa, citou Pedro, o Grande, que foi o czar que esteve na base da formação do império russo, depois de ter derrotado no já referido séc. XVIII o império sueco e anexado os territórios onde hoje estão os estados bálticos e a Finlândia. Alguém tem dúvidas de que Putin projetou a restauração do império russo, se não no todo, pelo menos em parte? Eu não tenho e não gosto que me diga que quis desnazificar a Ucrânia, nem que profira outras atoardas do género. Se formos a ver, a Rússia já é um império, pois são muitas as repúblicas que fazem parte da Federação Russa (Chechénia, Daguestão, Inguchétia…), por isso não se entende este revivalismo imperialista de Putin, que decidiu desencadear uma agressão absurda de consequências trágicas e imprevisíveis: milhões de ucranianos deslocados; aldeias, vilas e cidades arrasadas; famílias desfeitas; centenas de milhar de soldados mortos. Porquê esta loucura belicista? Putin, se fosse sensato, teria aprendido com os grandes fracassos militares da idade contemporânea, como os de Napoleão (séc. XIX) e Adolf Hitler (séc. XX), cujos países (França e Alemanha) foram obrigados a capitular sem condições. Que futuro espera a Rússia e a própria humanidade? Por outro lado, se Putin fosse culto, saberia que os impérios se sucedem uns aos outros numa marcha indetenível, segundo dolorosos processos de domínio territorial, político, económico e cultural, e que nunca nenhum renasceu das cinzas como a Fénix Chinesa, citada por Jorge Luís Borges no Livro dos Seres Imaginários. O império egípcio caiu às mãos de assírios, persas e gregos; o grego às mãos de romanos; o romano às mãos de bárbaros; o bizantino às mãos de turcos otomanos; e os de Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Holanda… às mãos dos movimentos de autodeterminação dos povos colonizados em África, Ásia e Améria do Sul. E ainda podíamos falar dos impérios Chino Ming, do Mongol, do Inca, do Safawi… Todos caíram, e nenhum se reergueu! Por que se haveria de reerguer agora o império soviético, já não na versão comunista, mas na versão de um capitalismo de Estado ultraliberal e elitista? Malfadadamente, nenhum ditador que dá um passo em falso consegue voltar ao ponto de partida. Nenhum! Precisamente por ser ditador! Ainda por cima, todos são megalómanos (Napoleão, Hitler, Stalin, Mao, Pol Pot…) e Putin não foge à regra!
Autor: Fernando Pinheiro
24 DE FEVEREIRO DE 2022, A MAIS TRISTE EFEMÉRIDE DO NOSSO TEMPO
Fernando Pinheiro
24 fevereiro 2023