De acordo com o art. 7º/7 da CRP-Constituição da República Portuguesa, “Portugal pode, tendo em vista a realização de uma justiça internacional que promova o respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos, aceitar a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, nas condições de complementaridade e demais termos estabelecidos no Estatuto de Roma”. Incluindo, portanto, a prisão perpétua. E ainda que a CRP-Constituição portuguesa apenas preveja uma pena de 25 anos de máximo.
É uma questão controversa, mas nisso não temos qualquer dúvida, uma vez que Portugal aderiu plenamente ao Estatuto de Roma que prevê o Tribunal Penal Internacional, nos termos também do art. 8º da CRP. Da guerra civil na Síria já resultaram até ao momento cerca de 500.000 vítimas. E os sacrifícios humanos prosseguem enquanto escrevemos estas palavras.
O “Observador de Direitos Humanos”, entre outras ONG’s-organizações não governamentais, alertaram para tais perigos 4 anos atrás, pedindo mesmo que os responsáveis pelas quase então 100.000 vítimas fossem julgados no Tribunal Penal Internacional… Mas pouco ou nada foi feito. E qual o papel do Tribunal Penal Internacional?
Pouco, muito pouco para já… Se por um lado, neste caso específico, a Rússia tem travado tais pretensões no Conselho de Segurança da ONU, dados os interesses, inclusive de tradição militar, que tem na Síria e que, com o afastamento de Assad, estariam em perigo -, já os EUA também não se coíbem de usar o poder de veto quando consideram necessário.
O Tratado de Roma para o Tribunal Penal Internacional foi estabelecido em 17/7/1998, embora somente começasse a funcionar mesmo em 2002. Foi fruto da vontade duma série de países que perante uma visão multilateral do mundo em termos construtivos diplomáticos se aperceberam das lacunas perante crimes de guerra e/ou genocídios como nos complexos Ruanda ou ex-Jugoslávia, entre outras atrocidades territoriais e internacionais. Multilateralismo vs Unilateralismo.
Recorde-se que EUA, Índia, a maior democracia do mundo e China, não reconhecem a validade do Tribunal Penal Internacional para si próprias. Grande parte do mundo portanto! O Estatuto do TPI pode todavia aplicar-se a países que não fazem parte, mas, nesse caso estaria dependente do Conselho de Segurança da ONU, o qual, permanente, é composto pelos “vencedores da II Grande Guerra Mundial”, a saber: Reino Unido, EUA, França, Rússia e China.
Assim, sem licença destes, nada é possível fazer. Aliás, foi o que aconteceu em relação à Síria, a qual, não fazendo parte do TPI, não foi objecto de intervenção, nem sequer do TPI, pois a Rússia com quem tem uma amizade já tradicional económica e militar, assim vetou.
E mesmo assim, é sabido, como no caso da invasão do Iraque já depois dos atentados terroristas de 11/9, existem guerras declaradas que nem sequer tiveram a concordância prévia do Conselho de Segurança da ONU. E quando isso é feito para tentar descortinar “armas de destruição maciça” que, afinal, nem sequer existiam, então a situação da credibilidade da diplomacia fica ainda mais em crise.
O Tribunal Penal Internacional é um Tribunal de “último recurso”, ou não fosse o Direito Penal, Iluminista, uma ultima ratio, a ser utilizado, ainda assim, nos mais graves crimes internacionais, crimes contra a Humanidade. O Tribunal pode actuar em todos os países que se juntaram ao respectivo Tratado do Tribunal Penal Internacional.
Embora com dificuldades de funcionamento, o TPI constitui uma marca muito positiva na Justiça internacional pelo simples facto de existir e de já ter funcionado bem em alguns dos casos concretos.
Mas as atrocidades continuam. E se o Tribunal Penal Internacional tem sido acusado de discriminar negativamente os países africanos e seus dirigentes, é-nos agora transmitido que, p.e., vai ser aberta uma investigação no Afeganistão que, citando, “envolverá cidadãos norte-americanos como eventuais autores de crimes contra a Humanidade”. Será mesmo? Reacção dos EUA?
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira