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10 de Junho e o discurso do Presidente

O dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas que, este ano, foi celebrado na nossa cidade revestiu-se de inusitada solenidade; e na razão deste brilho e esplendor esteve a presença de um imenso público que prestou à celebração rasgado acolhimento e júbilo.

E esta forma tradicional de ser e de estar, mormente das gentes do Minho, manifestou-se em não arredar pé da Avenida da Liberdade, durante várias horas, onde aconteceram as cerimónias e o desfile militar das forças em parada; e essa pública manifestação de aprumo, de galhardia e de portugalidade dos três ramos das forças armadas – exército, marinha e força aérea – arrancou muitos aplausos e palavras de orgulho à multidão presente.

Todavia, longe ainda estavam estes milhares de pessoas que assistiam à parada de pensar que o discurso do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, as colocaria no palco das comemorações; mormente pelos elogios e afetos que, ao longo de todo o seu panegírico lhes dispensou.

Mas, escutemos o eco de tais palavras do Presidente, mais acrisoladas e laudatórias:

Ao longo da História de Portuga, desde a separação do Reino de Leão, esteve sempre, sempre presente o povo: Se é verdade que os seus soberanos, os seus lideres, os seus chefes encheram também páginas da nossa História, não é menos verdade que sem o povo, sem a arraia-miúda de que falava Fernão Lopes, não teria havido o Portugal que temos.

E mais adiante evoca o Presidente Marcelo os rasgos de heroicidade do dito povo:

Foi esse povo que morreu aos milhares na conquista do território, partiu em cascas de noz pelos oceanos para o desconhecido, ficou espalhado um pouco por todo o universo e deixou língua, alma e saudades das raízes. E ainda esteve nos momentos decisivos para podermos vir a ser o que somos, desde os combates nos séculos XIV e XVII pela nossa independência e restauração.

Pois bem, estas palavras do Presidente são, sem dúvida, um testemunho fidedigno do que o povo sempre fez pelo seu país, por Portugal; e como atualmente bem o comprovam as missões de manutenção de paz, de segurança e de desenvolvimento ao serviço da ONU ou da NATO em que participa com as suas forças armadas em vários países.

É um facto indesmentível que o sangue, o suor e as lágrimas vertidos para levantar tamanha epopeia sempre foram do povo, como bem o retratam as guerras que travamos; e, aqui, sem qualquer trauma e flagelação emocionais, a guerra de 13 anos que levamos a cabo em Angola, Guiné e Moçambique é o exemplo acabado e maior do sofrimento e arrastamento do povo.

Agora, não nos esqueçamos, e neste contexto o Presidente não foi tão claro e objetivo como lhe competia, que os soberanos, os líderes, os chefes deste povo nem sempre cumpriram plenamente com a sua missão de pôr o povo na primeira linha dos interesses do país; e, para isso, basta recordarmos o que têm sido estes 48 anos de Democracia para aquilatarmos de que nem sempre o povo, a arraia-miúda de grande parte deles teve e tem de grande parte deles a atenção, o carinho, o tratamento socioeconómico, cultural e cívico a que tem direito.

Continuamos um país desigual, injusto, pobre, espoliado e explorado; e que obriga milhares e milhares de jovens a emigrar em busca de uma vida digna e justa que os seus soberanos, os seus líderes, os seus chefes não sabem ou não querem proporcionar-lhes; e, depois, as condições de vida que temos com um SNS (Serviço Nacional de Saúde), uma Educação, uma Segurança Social, uma Justiça incapazes e ineficientes são bem a prova provada de que o povo que o Presidente enalteceu e pôs na linha da frente de Portugal, longe está de ocupar o lugar a que, na base de tal raciocínio e de tais encómios, tem direito.

Assim sendo, ficamos à espera de que, em próximas intervenções públicas a propósito do estado da Nação, o Presidente Marcelo dê um bom puxão de orelhas aos soberanos, aos líderes, aos chefes; até para que os louvores que ao povo deu não fiquem na gaveta ou caiam em saco roto ou, pura e simplesmente, não passem de pura balela, sabido que é que o povo não vive de lindas palavras, de frases feitas, da verborreia que a maioria dos políticos bem usa.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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22 junho 2022