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Guimarães cumpre secular tradição de servir ceia de Natal aos pobres

Guimarães cumpre secular tradição de servir ceia de Natal aos pobres
Fotografia

Rui de Lemos

Jornalista

Publicado em 23 de dezembro de 2023, às 11:07

Desde 1315 que o Albergue de S. Crispim garante a Ceia de Natal aos mais desfavorecidos

Desde 1315 que os «desfavorecidos da cidade» têm garantida a Ceia de Natal no Albergue de S. Crispim, no centro histórico da cidade de Guimarães. A tradição cumpre-se há 708 anos sobre o mesmo chão de terra batida, com mesas «onde não falta nada» e um grupo de voluntários que torna o Natal dos que precisam «tão especial como todos os outros». José Teixeira é o principal responsável pelo Albergue de S. Crispim e já não conhece o Natal de outro modo que não seja a tentar «tornar esta noite especial para os sem-abrigo e os que mais precisam». «Isto já me está no sangue, faz parte da minha família e já me veio do meu pai, que andou aqui 85 anos. Olhe, foi aquilo que eu herdei com muito orgulho e mantenho», resumiu, ao “DM”, o principal dinamizador da Ceia dos Pobres há muitas décadas.

José Teixeira assegura que «enquanto for vivo estarei sempre aqui a honrar esta herança e a servir os mais pobres ou carenciados», que «não é por serem pobres que têm que comer mal na noite de Natal ou não ter companhia, antes pelo contrário», suporta. Aquela ceia para os pobres teve origem na imposição de dois beneméritos, que deixaram a fortuna à Irmandade de S. Crispim mediante a obrigação de todos os anos ser ali servida uma ceia de Natal aos pobres. E a obrigação cumpre-se religiosamente «por humanidade e por Deus, não por caridadezinha», com «tudo do bom e do melhor na mesa, onde não falta nada para todos os que aparecerem», observa e assegura José Teixeira. Nestes últimos anos são «cerca de uma centena» aqueles que se sentam à mesa do Albergue de S. Crispim na noite de consoada natalícia. No dia 24 de dezembro, a partir das 19h00 - com um tique do sino da capela lateral -, um grupo de escuteiros e voluntários garante que mais de 20 bacalhaus, batatas, couves e hortaliças, regadas com bom azeite, rabanadas, aletria, bolo-rei e vinhos estão prontos a ser servidos para «confortar o corpo e a alma» dos que abancam nas mesas corridas da pequena sala caiada de branco.

Em tempos idos, «já foram mais de 600 pessoas a cá vir fazer a ceia e não só sem abrigo, mas famílias inteiras pobres. A polícia tinha que vir para a viela organizar as filas», recorda José Teixeira, mas garantindo que «nunca ninguém foi embora sem comer». Antes, «era uma grande canseira e muito trabalho», mas hoje «já são quase tantos os que se voluntariam para cozinhar e servir como os que cá vêm para a ceia», observa o coordenador de todas as tarefas da ceia natalícia. A noite de Natal é sempre especial, mas também «pode ser muito dolorosa para muita gente, que tem aqui uma das poucas refeições quentes e dignas», constata aquele responsável, lamentando que «não possamos fazer isto em muitas outras noites do ano». sempre com a preciosa ajuda de voluntários, mecenas, gente de bem e da Câmara Municipal de Guimarães. «Faço isto com o coração e a alma cheia. Para mim, o Natal só tem sentido se for vivido desta forma e com os mais pobres, antes de consoar com a minha família, o que nunca acontece antes de meia noite e meia ou uma da madrugada. Mas só assim é que me sinto feliz», conclui José Teixeira.