A pandemia fez aumentar “significativamente” o número de pessoas que pediu ajuda à Cáritas e se muitas enfrentaram e venceram “a crista da onda pandémica”, “o choque mais duro ainda poderá estar a chegar”, alerta um estudo divulgado hoje.
O estudo “A Rede Cáritas em Portugal e a Resposta à Covid-19” é apresentado hoje, em Lisboa, e dá conta de que esta organização da Igreja Católica apoiou 10.444 pessoas com 82.510 euros em vales alimentares e de 167.230,07 euros em apoios pontuais e urgentes, sendo que 60% das pessoas apoiadas eram novos beneficiários.
De acordo com o estudo, realizado por quatro investigadores da Oficina Global – uma iniciativa académica apoiada pelo CEsA - Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento e pelo ISEG – Lisbon School of Economics and Management, da Universidade de Lisboa – o número de beneficiários atendidos pela rede Cáritas “aumentou significativamente desde o início da pandemia”.
Refere também que o diagnóstico feito permite aferir que “houve um forte crescimento de novos beneficiários que recorreram à Rede Cáritas em situação de privação imediata” e que “os efeitos potenciais a médio e longo prazo da pandemia só se farão sentir nos próximos tempos”.
“As pessoas apoiadas pelas Cáritas analisadas neste relatório poderão ter enfrentado e vencido a crista da onda pandémica, mas o choque mais duro ainda poderá estar a chegar”, alertam os investigadores, sustentados no facto de as moratórias bancárias ainda estarem em vigor e só terminarem a 31 de dezembro.
Chamam a atenção para o facto de as pessoas apoiadas serem vítimas de várias vulnerabilidades, desde logo a precariedade laboral, mas também a perda de rendimentos e os custos excessivos com habitação, que definem como “especialmente marcadas e gravosas” e que convocam para “uma reflexão profunda sobre as várias dimensões da pobreza”.
“Se podemos afirmar, com base nas entrevistas, que muitas vulnerabilidades pré-existentes terão sido intensificadas pela crise pandémica, com destaque para a precariedade laboral e a sua conjugação perniciosa com um mercado habitacional cada vez mais excludente, a realidade salientada pelos interlocutores sugere que estamos na presença de crises cumulativas”, lê-se no estudo.
Os investigadores apontam que as pessoas que precisavam da ajuda da Cáritas antes da pandemia continuam a existir e que coexistem agora com os novos beneficiários, aqueles que recorreram à organização “em função de situações contingentes ou temporárias”.
De acordo com o estudo, “o problema fundamental assenta na incerteza” porque “embora a vulnerabilidade dos novos beneficiários tenha uma origem evidente, não é claro que os seus problemas sejam resolvidos quando a pandemia estiver controlada”, isto por causa das moratórias bancárias e dos seus possíveis efeitos quando terminarem, razão pela qual os investigadores admitem que “o choque mais duro ainda poderá estar a chegar”.
O fim das moratórias é uma questão que preocupa de tal forma os investigadores que admitem que isto venha a por a capacidade de resposta da Cáritas à prova se com o fim das moratórias não vier uma melhoria “considerável” no rendimento disponível das famílias, na proteção social e na habitação.
“Se até ao final do ano não se assistir a uma melhoria considerável em termos laborais (mais emprego e melhores salários) para quem recorreu às moratórias, o papel da Rede Cáritas como apoio de emergência, principalmente em termos de resposta a privações materiais imediatas, poderá ser novamente posto à prova”, referem.
De acordo com o estudo, um dos “efeitos sérios e imediatos” da pandemia foi o “forte aumento da privação material”, sendo que essa privação traduziu-se não só em privação alimentar, mas também financeira, tendo em conta que as pessoas não conseguiam fazer face a despesas como o pagamento de rendas, a compra de medicamentos ou o pagamento da fatura de eletricidade.
Esta privação material foi causada pela “perda imediata de rendimento” por quem recorreu à Cáritas e que, aparentemente, não dispunha de recursos financeiros ou poupanças suficientes para fazer face às despesas correntes.
Já os efeitos potenciais a médio e longo prazo da pandemia “só se farão sentir nos próximos tempos” e entre os efeitos potenciais, principalmente junto das famílias mais vulneráveis, estão “o agravamento do estado da saúde mental, os atrasos educacionais de crianças e jovens que não conseguiram acompanhar o ensino ‘online’ por falta de computadores ou acesso à internet, a perda da habitação por não se conseguir pagar o crédito bancário com o fim das moratórias, da falta de criação de emprego”.
Os investigadores salientam que as pessoas mais afetadas foram as que trabalhavam nos setores económicos que mais sofreram com o fecho de atividade por causa do confinamento e onde o desemprego e o ‘layoff’ cresceram de forma considerável: turismo, restauração, comércio e serviços de apoio.
“Setores onde também se praticam normalmente salários baixos e se assiste a uma maior precariedade dos vínculos laborais”, apontam.
“Só com a prevista e progressiva retoma da economia ao longo do próximo semestre é que será possível avaliar se estes novos beneficiários passarão ou não a ser potencialmente recorrentes junto da Cáritas”, acrescentam.
Os beneficiários apoiados pela Cáritas são sobretudo portugueses, com idades entre os 30 e os 60 anos, e os agregados familiares são compostos, na maior parte das vezes, por até cinco pessoas. O principal motivo apontado para o pedido de ajuda foi o desemprego.
Autor: Redação/Lusa