twitter

“Ainda estou aqui” dá o primeiro Óscar ao Brasil

“Ainda estou aqui” dá o primeiro Óscar ao Brasil
Fotografia Frederic J. Brown/AFP

Redação/Lusa

Publicado em 03 de março de 2025, às 10:17

Realizador Walter Salles diz que reconhecimento é para a cultura e o cinema brasileiros.

“Ainda estou aqui”, de Walter Salles, conquistou o Óscar de Melhor Filme Internacional na 97.ª edição dos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos. Este é o primeiro Óscar do Brasil.

Para o Óscar de Melhor Filme Internacional estavam também nomeados “Emilia Pérez”, de Jacques Audiard, (França), "A rapariga da agulha”, de Magnus von Horn (Dinamarca), "A semente do figo sagrado", do iraniano Mohammad Rasoulof (Alemanha), e o filme de animação "Flow - À Deriva", de Gints Zilbalodis (Letónia).

O realizador brasileiro Walter Salles considerou que este reconhecimento é para a cultura e o cinema brasileiros, que hoje ecoa pelo mundo. 

«Não é um filme que é reconhecido, é a cultura que está a ser reconhecida, é a forma como fazemos cinema no Brasil, é a literatura brasileira com o livro de Marcelo Paiva, é a música brasileira», afirmou o cineasta, nos bastidores dos Óscares da Academia. 

«Toda esta jornada foi sobre refazer a memória de uma família ao mesmo tempo que refazíamos a memória de um país durante 21 anos de ditadura militar», considerou Salles, que dedicou a estatueta dourada a «três mulheres extraordinárias»: Eunice Paiva, a protagonista da história, e as atrizes Fernanda Torres e Fernanda Montenegro.

Walter Salles lembrou que o filme foi visto nos cinemas por cinco milhões de brasileiros e conseguiu ultrapassar a barreira do sistema político binário do país. 

Segundo o realizador, a ressonância que está a ter nos mercados internacionais, incluindo Portugal e Estados Unidos, pode ser entendida pela fragilidade cada vez maior da democracia um pouco por todo o lado. 

«Nunca pensei que seria tão frágil, até mesmo neste país, e por isso o que aconteceu no Brasil no passado parece muito próximo do que está a acontecer agora», salientou Walter Salles. 

«O filme é principalmente sobre perda e como reagimos a ela, como a superamos e como lutamos contra a injustiça», considerou.

«Esta mulher teve a possibilidade de quebrar ou de abraçar a vida e ela abraçou a vida», afirmou, referindo-se à forma de resistência de Eunice Paiva, baseada no afeto. 

Salles também salientou a importância do jornalismo, da literatura, do cinema e das canções como forma de preservar a memória. 

«A memória esteve no centro deste projeto. Vivemos num momento em que a memória está a ser apagada como um projeto de poder», afirmou. «O que fazemos pode lutar contra a possibilidade do esquecimento e isso é muito importante». 

Para evocar a autenticidade do momento retratado, a equipa usou 35mm e Super 8 como forma de mergulhar o público no passado sem interferências artificiais. «Tentei trabalhar de uma forma em que pudéssemos recriar a memória de um período específico no Brasil, os anos setenta, e uma forma de fazer foi isso foi escapar do digital». 

Com este Óscar de Melhor Filme Internacional, Salles tem ainda esperança de dar um incentivo aos filmes independentes no Brasil. 

A sua vitória foi muito celebrada na sala de entrevistas, onde a agência Lusa e vários meios brasileiros de comunicação social puderam fazer entrevistas ao cineasta e congratulá-lo em português, uma enorme raridade nos bastidores dos Óscares. 

Em 1999, Walter Salles também foi nomeado para os Óscares, por "Central do Brasil", filme protagonizado por Fernanda Montenegro, então nomeada para Melhor Atriz.