O comércio tradicional, no caso particular de Braga que em tempo de dominava Capital do Comércio, antevê uma ruína e os proprietários - de imóveis e de estabelecimentos comerciais - encontram-se seriamente preocupados.
No meio de todas as despesas mensais que, por instituição de um regime de horário zero (ver aqui) e, ainda, por um cenário de estado de emergência já decretado (ver aqui) os proprietários de estabelecimentos comerciais, não sabem como será o futuro.
A Associação Comercial de Braga já veio a público manifestar preocupação (ver aqui).
Os estabelecimentos comerciais representam, a maior parte, despesas com trabalhadores e, além disso, despesas mensais que se continuam a somar, mas desta vez sem receitas. Os cafés, restaurantes, lojas, mais baladas, ou não, estão num cenário igual: de portas fechadas (ver aqui).
As interpelações para pagamento de rendas ocorrem e o Diário do Minho contactou um escritório de advogados para perceber a situação.
Luís Sepúlveda Cantanhede, advogado em Braga, encara a situação com compreensão por ambos os lados.
«Os proprietários viram na locação uma perceção de um fruto civil, é aceitável que enquanto não exista uma medida de tutela desta situação entendam que o arrendamento comercial se mantém em vigor: e o que é certo é que mantém», afirma, no entanto o cenário que se antevê será, em muitos casos, de não pagamento de rendas.
Este advogado defende que «a lei é clara» e que para resolver um contrato de arrendamento «não se basta com a falta de pagamento de renda de um mês».
«É preciso mais algum tempo, atualmente são três meses e, por isso, antevê-se que, sem a existência de alguma tutela, o que venha a acontecer são pagamentos em mora, com os encargos legais que isto acarreta», destaca.
«Por isso, ainda que seja prematuro estar a tirar conclusões jurídicas acerca de como será tratado o eventual incumprimento contratual dos arrendamentos comerciais, será igualmente preciso aguardar a eficácia e efetividade das medida económicas ainda hoje divulgadas, sendo que todas elas passam por entidades bancárias o que faz com que se desconheça a sua aplicabilidade prática assim como a elegibilidade do tecido comercial e empresarial da região», acrescenta ainda Luís Sepúlveda Cantanhede.
Claramente que para os arrendatários, pese embora a possibilidade, legal até, de pagar a renda com o acréscimo da mora, não é um cenário feliz. Isa Meireles, também advogada, afirma que esta situação «acaba por trazer acréscimos adicionais»
«O que num cenário de crise do comércio, como é a provável realidade, não é benéfico, pois estamos a assumir que as despesas não só vão aumentar como se vão agravar e é necessário encontrar-se uma solução, até porque não é uma solução voluntária», destaca Isa Meireles.
Para Luís Cantanhede estamos perante «relações do foro privado» e é muito complicado conseguir «antever uma solução que agrade a ambos os lados, mas claramente que terá que se regular juridicamente a situação, sem prejuízo de oportunamente se avaliar em que moldes ocorrerá o acesso dos empresários às ajudas hoje divulgadas (ver aqui)».
Ambos advogados, porém, defendem que é necessário algo mais. Em termos laborais, ainda que muito superficialmente e com alguma ressalva de eficácia e discussão prática, têm vindo a ser tomadas algumas medidas excepcionais, tal como o lay off.
«No arrendamento não, a nosso ver, uma das soluções plausíveis, mas naturalmente com muitas reservas, será uma suspensão na execução dos contratos de arrendamento. O gozo do imóvel está comprometido por factores externos, o arrendatário não pode gozar do bem (independentemente do lucro ou não) e essa frustração pelo encerramento, praticamente obrigatório, do estabelecimento tem que ser acautelada. Na prática o contrato está suspenso na sua execução, a renda tem como contrapartida o gozo, não havendo gozo, a renda perde, em certa medida, o seu sentido. Claro que da posição do senhorio isto é muito doloroso, também, por isso, nesse caso, é necessária alguma medida de apoio eficaz e que possa mitigar a perda do rendimento», destacam ambos advogados.
É obvio que entre a relação arrendatário e senhorio existem direitos e deveres, porém no que concerne aos titulares de arrendamentos comerciais, nomeadamente empresas e pequenos empresários em nome individual, existe toda uma panóplia de obrigações paralelas para cumprir e que o encerramento forçado dos estabelecimentos vem agudizar.
«Referimo-nos a fornecedores, colaboradores, instituições financeiras e ao Estado. Por isso, apesar de se compreender a dificuldade dos proprietários e senhorios, temos que, neste momento de crise profunda, em primeira medida, pensar em soluções que mitiguem as perdas dramáticas dos comerciantes e nessa medida se pondere ou num diferimento sem penalizações do pagamento das rendas dos meses em que os estabelecimentos estão encerrados, ou até, numa solução mais extrema numa eventual suspensão desse pagamento, sem prejuízo, claro está, da existência de mecanismos de ajuda criados pelo Governo», acrescentam Luis Sepúlveda Cantanhede e Isa Meireles.
O que é certo é que se deixa a advertência de a situação que esta epidemia está a causar, ao nível jurídico, seja arrendamento, laboral, família e menores, insolvência, entre outras índoles, é premente e urgente e ninguém deve fazer ouvidos de mercador ou esperar por soluções, a tutela jurídica, sobretudo, deve ser de prevenção.
Autor: Nuno Cerqueira
Comércio fechado. E agora? Já há quem peça suspensão da execução de contratos de arrendamentos comerciais
Publicado em 19 de março de 2020, às 02:00