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«Faz falta formação especializada em cuidados paliativos»

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Fotografia DM

Jorge Oliveira

Jornalista

Publicado em 19 de novembro de 2024, às 17:29

Encontro na Casa de Saúde do Bom Jesus contou com mais de 180 participantes ligados à saúde

A Casa de Saúde do Bom Jesus, das Irmãs Hospitaleiras, recebeu esta terça-feira o I Encontro “Escutar os Cuidados Paliativos”, com o lema “metAMORfosse”, um evento onde se refletiu e trocou ideias sobre os cuidados aos pacientes em fase terminal e a humanização no processo de fim de vida.

O encontro contou com a participação de mais de 180 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, assistentes espirituais, padres, teólogos, cuidadores, voluntários, bem como representes de equipas de comunidade de suporte em Cuidados Paliativos e das equipas intra hospitalares da ULS de Braga e da ULS do Alto Ave e também de O Poverello - Domus Fraternitas.

À margem dos trabalhos, a enfermeira Joana Cruz Martins, promotora do evento, disse ao Diário do Minho que embora muitos profissionais de saúde lidem com doentes em fase terminal, os conhecimentos nesta área são limitados, havendo necessidade de apostar mais em formação especializada.

«A formação em cuidados paliativos nas escolas de saúde, nomeadamente nas faculdades e escolas de enfermagem, é extremamente residual. Precisamos de mais horas de formação, mais contacto com estas realidades, mais estágios direcionados», defendeu.

Segundo a promotora do evento, é necessário que os cursos de saúde integrem estas competências, de modo a garantir uma «assistência digna e humana no fim de vida».

«Sabemos ajudar a nascer muito bem, mas temos dificuldades em ajudar a morrer, porque isso nos custa muito. E esta não é apenas uma questão profissional, mas também pessoal» observou Joana Cruz Martins, sublinhando a importância de lidar com a morte de forma mais humanizada e com maior preparação.

Durante o encontro, por entre comunicações e partilha de experiências entre diversos profissionais de diversas área da saúde, foi enfatizada a importância de valorizar a presença, a escuta e a humanidade no cuidado do doente terminal.

Quando a ciência não tem mais nada a acrescentar, o que fica é a nossa presença, a escuta, o nosso coração e as nossas mãos até ao último momento.


 

O padre Jorge Vilaça, que moderou o segundo painel do encontro, notou que existe um problema de iliteracia no acompanhamento dos doentes em fase terminal, que leva ao isolamento dos doentes e a encarar a morte como um “tabu”.

«Há uma grande iliteracia, que conduz ao isolamento das pessoas em processos de morte e, ao mesmo tempo, a uma sociedade que, embora lide com a morte todos os dias, não fala sobre ela nem se prepara para a abordar», disse o sacerdote, que é o diretor do Departamento da Pastoral da saúde da Arquidiocese de Braga.

Defendendo a integração deste tema nos currículos das faculdades de enfermagem, teologia e outras áreas, o padre Jorge Vilaça alertou para o risco da sociedade, apesar de ser bombardeada diariamente com imagens da morte nas notícias e em programas sensacionalistas, evitar falar sobre o fim da vida de maneira construtiva e responsável.

O sacerdote aludiu ainda para a prática da distanásia, que permite prolongar a vida de um doente incurável, através de meios artificiais.

“O problema não é a eutanásia, mas a distanásia, que faz com que, muitas vezes, se insista em tratamentos agressivos, como a quimioterapia, sem considerar o sofrimento e a qualidade de vida da pessoa. Quando já se deveria estar em cuidados paliativos, há uma obstinação terapêutica que só prolonga o sofrimento», explicou.

O padre Jorge Vilaça referiu-se ainda à «deslugarização da morte», afirmando que esta não pode ser simplesmente transferida do ambiante familiar para o hospital ou para uma unidade especializada sem um acompanhamento humanos adequado.

“A morte não é uma questão de lugar físico, mas sim de estar rodeado de pessoas que apoiam o doente e a sua família no processo. É preciso criar lugares onde as pessoas se sintam bem, onde possam continuar a realizar os seus projetos de vida, mesmo sabendo que estão a morrer», defendeu, acrescentando que os cuidados paliativos devem ser integrados na comunidade, e não isolados em unidades específicas.

Na abertura do encontro, o professor João Duque, da Faculdade de Teologia da UCP Braga, abordou três dimensões da vida humana, a física, a social e a  pessoal, referindo que os cuidados paliativos devem considerar o doente em todas as suas vertentes, preservando a sua dignidade até ao último momento de vida.

«A pessoa é digna até o fim, mesmo quando perde capacidades físicas e não pode mais participar da vida social», sublinhou o docente.

O encontro decorreu durante todo o dia, com várias comunicações de profissionais da saúde e outros especialistas ligados ao tema.