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Presidente da Comissão Europeia elogia recriação do ciclo da lã no Barroso

Presidente da Comissão Europeia elogia recriação do ciclo da lã no Barroso
Fotografia Foto: Clemence Guopillot

Luísa Teresa Ribeiro

Chefe de Redação

Publicado em 11 de abril de 2024, às 10:18

Projeto desenvolvido em Montalegre é finalista de prémio europeu

A presidente da Comissão Europeia destacou a recriação do ciclo da lã no Barroso, levada a cabo em Cabril, no concelho de Montalegre, como um projeto inspirador, que mostra que é possível moldar um futuro «mais sustentável, mais inclusivo e mais belo».

Ursula von der Leyen falava, na passada terça-feira, na abertura do Festival Novo Bauhaus Europeu, evento que apresenta, até sábado, em Bruxelas, projetos que aliam beleza, sustentabilidade e inclusão, traduzindo o Pacto Ecológico em medidas concretas, adaptadas às diferentes realidades locais.

O programa desta iniciativa inclui a atribuição dos Prémios Novo Bauhaus Europeu, do qual o projeto do ciclo da lã é finalista, na secção “Campeões”, dentro da categoria “Recuperar o Sentido de Pertença”. 

Paula Oliveira recriou ciclo da lã no Barroso. Foto: Clemence Guopillot

Paula Oliveira recriou ciclo da lã no Barroso. Foto: Clemence Guopillot

O projeto foi desenvolvido por Paula Oliveira, gestora de projetos culturais e CEO do Cabril Eco Rural, entre 2018 e 2020, no sentido de revitalizar o ciclo da lã, preservando saberes ancestrais e valorizando a identidade territorial de uma área que é classificada como Património Agrícola Mundial.

A iniciativa ganha agora projeção europeia, ao chegar à final da competição e com a Ursula von der Leyen a dizer que, em Portugal, existe uma região montanhosa chamada Barroso, «conhecida pela sua enorme beleza e pelo seu património cultural».

«Durante séculos, o ciclo da lã – da ovelha à loja – foi uma tábua de salvação para as comunidades rurais. Mas, com o tempo, o tecido tradicional feito de lã caiu em desuso. Uma indústria baseada na natureza desapareceu e, juntamente com ela, uma parte da identidade cultural local. Por isso, a comunidade do Barroso decidiu recuperá-lo», referiu. 

A líder europeia explicou que, «através de um esforço coletivo em que todos participaram – dos pastores às avós, dos decisores políticos às empresas locais –, foi possível recriar o ciclo da lã, uma economia circular sustentável. Não se limitaram a trazer de volta uma tradição que se perde no tempo, mas também criaram um novo programa turístico. Neste processo, desenterraram histórias e restauraram um sentido esquecido de ligação à terra. Por outras palavras, trouxeram de volta um objetivo e uma perspetiva para toda a região».

Em seu entender, este é um exemplo entre centenas, que mostra como os europeus podem «moldar um futuro mais sustentável, mais inclusivo e mais belo». Acrescentou que «os finalistas deste ano são uma verdadeira inspiração» e que o Novo Bauhaus Europeu é, acima de tudo, um projeto centrado nas comunidades.


Projeto preserva saberes e tradições


Paula Oliveira explica que o projeto que concebeu, planificou e coordenou de recriação do ciclo da lã no Barroso pretendeu «fazer a recolha e a partilha de todo o conhecimento inerente à produção de burel 100% artesanal e 100% orgânico». 

«O ciclo da lã em Barroso estava perdido. Este projeto traz de volta o burel 100% artesanal e 100% orgânico, permitindo regenerar uma economia circular e criar ofertas de turismo criativo que dinamizam as comunidades rurais», refere, sublinhado que também possibilita a transmissão desse «saber aos jovens, dotando-os de conhecimentos que lhes permitam entender o valor cultural, natural e humano de uma região tão valiosa e tão ameaçada».

Saberes e tradições do Barroso ganham destaque a nível europeu. Foto: Marta Vinhas

Em declarações ao Diário do Minho, conta que o principal alvo na recolha da informação foram as mulheres idosas, uma vez que «era a elas que cabia a maior parte das tarefas ligadas ao ciclo da lã». «O envolvimento da comunidade foi fundamental para que o projeto se realizasse, uma vez que foi a partir da recolha do saber fazer junto da comunidade local de Barroso que foi possível revitalizar a tradição», enfatiza.

Para a disseminação do conhecimento, foram definidos como grupos-alvo, crianças, turistas, visitantes e as comunidades das aldeias por onde decorreu o ciclo de programação.

Em relação ao legado, quem for a Cabril pode encontrar uma oficina têxtil, a Roca Viva, que recria todo o ciclo da lã, desde o pastoreio das ovelhas ao tecido de burel feito em pisão, havendo também material online, nomeadamente um vídeo e uma publicação, que pode ser descarregada aqui gratuitamente.

O projeto foi quase totalmente privado, tendo contado com o apoio logístico do Município de Montalegre, das associações locais e do Ecomuseu de Barroso. «O recurso financeiro não foi o mais relevante, neste caso, uma vez que muitos outros recursos foram necessários à sua execução, sobretudo recursos humanos, antes desvalorizados e esquecidos. Falo da comunidade idosa, as melhores enciclopédias que encontrei na pesquisa efetuada no território», afirma Paula Oliveira.

Com 47 anos, licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos e mestre em Gestão de Projetos Culturais, transformada em «pastora, agricultora, guia turística, costureira, tecedeira e fiadeira», Paula Oliveira tem «imensos» projetos, ideias e vontade para manter vivo este saber, sendo a Roca Viva um dos principais instrumentos já em funcionamento. 

Ser finalista dos Prémios Novo Bauhaus Europeu permite-lhe «divulgar este projeto além-fronteiras, consolidando a premissa de que Barroso tem um elevado património natural, cultural e humano». «Embora existam inúmeros projetos de grande valor, as minhas expetativas são elevadas», confessa relativamente ao resultado da competição, cujos vencedores vão ser anunciados ao final da tarde de amanhã, no Museu de Arte e História de Bruxelas.

*Em Bruxelas, a convite da Comissão Europeia