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Fora D'Horas - Dolores Silva

Fora D'Horas - Dolores Silva
Fotografia

Diana Carvalho

Jornalista

Publicado em 17 de julho de 2023, às 14:51

«Lutei sempre por aquilo que mais queria e tem corrido bem»

No novo episódio do Fora D’Horas, a DMTV esteve à conversa com Dolores Silva, futebolista que enverga atualmente a braçadeira de capitão do Sporting Clube de Braga e da seleção nacional.

Num olhar de espectadora, Dolores Silva descreve o próprio percurso como «uma história de alguma resiliência». Foi a única rapariga no meio de uma equipa de rapazes quando começou a jogar, conciliou a modalidade com os estudos, passou pela Alemanha, por Espanha e regressou a Portugal para integrar o SC Braga, no qual se encontra há quatro épocas consecutivas.

A paixão pelo futebol, garante, nasceu logo quando era criança. «Acho que, desde que me lembro, sempre tive gosto pelo futebol, muito também, se calhar, pelo meu pai. O meu pai sempre foi um fanático pelo futebol. Sempre que havia jogos, levava-me com ele ao estádio», conta a atleta.

A primeira oportunidade de jogar numa equipa e de tornar «mais real» o sonho de ser futebolista surgiu com as captações para os infantis a nível federado do Real Massamá. Ver uma rapariga sozinha a jogar no meio de rapazes, admite a jogadora, «era algo inédito, quase». Ainda assim, assegura que sempre se sentiu respeitada pelos colegas e equipa técnica do Real Massamá. 

«Sempre me senti muito protegida e muito respeitada. Os meus colegas sempre me apoiaram muito, mesmo os treinadores e a própria estrutura do Real Massamá nunca discriminaram o facto de ter uma rapariga», refere.

Com apenas 15 anos, Dolores estreou-se na equipa sénior do 1.º de Dezembro. «Foi uma sensação indescritível, porque estava perante os meus maiores ídolos, os meus maiores exemplos. Aquilo que eu gostava seguia muito nelas», conta.

No mesmo ano que se estreou numa equipa sénior, a vida futebolista sofreu também uma grande reviravolta. O pai, que foi um dos principais impulsionadores do sonho de ser futebolista profissional, teve de emigrar. «Foi uma fase bastante complicada e também marcante na minha vida, mas são coisas que, infelizmente não controlamos», reflete Dolores.

Ainda assim, a jogadora explica que lhe custou muito sentir a ausência do pai no seu percurso. «Foi difícil para mim, porque o meu pai acompanhava-me sempre, até então, a todos os jogos, a todos os treinos, abdicava muitas vezes de algumas coisas para poder estar comigo. E quando entro na equipa sénior, infelizmente, aconteceu esse percalço. Para mim, foi um choque, mas faz parte», menciona. 

Apesar de tudo, foi este contratempo que fez com que Dolores criasse uma das relações mais especiais da sua vida. Devido ao facto de o pai ter emigrado, a atleta ficou a viver com a tia, que hoje em dia diz com toda a segurança ser uma mãe.  «É sem dúvida a minha melhor amiga, a pessoa em quem eu confio, sabe tudo», partilha a internacional portuguesa. «De repente, o meu pai, que era a pessoa com quem eu tinha mais ligação, teve de ir para longe. Felizmente, a minha tia agarrou-me a mão na altura que eu mais precisava», acrescenta. 

O primeiro contrato profissional foi assinado na Alemanha, pelo Duisburg, na época 2011/12. Com seis épocas a jogar num país que considera uma «segunda casa», Dolores alcançou a marca dos 100 jogos na Bundesliga.

No entanto, para além da experiência que viveu com clubes e jogadoras que considera de topo, o que fez a futebolista quase não querer deixar a Alemanha, foram fatores sociais. «A liga, por si só, por ser uma liga muito competitiva, trabalha aspetos muito fortes a nível físico, mas também a nível do respeito pelo outro. Foi uma das coisas que também fui aprendendo muito com eles, por uma simples razão: lá qualquer pessoa pode andar na rua à vontade. Não há qualquer tipo de preconceito, sejas tu gay, sejas tu gorda, ou gostes de usar cabelo cor de rosa», explicita.

Em 2018, surgiu a oportunidade que levou Dolores Silva a fazer as malas e a deixar a Alemanha: um contrato no Sporting Clube de Braga. Assinou para a época 2017/18 e depois foi jogar um ano para o Atlético de Madrid. Voltou um ano depois ao clube minhoto, com o início da pandemia. Hoje, diz  que é o seu clube de coração.

«Criei uma ligação com o clube. Sou braguista. Quero que o Braga ganhe. Um dos meus maiores sonhos neste momento era, sem dúvida alguma, ser campeã nacional pelo Braga», revela a jogadora.

Já este ano, Dolores conquistou, juntamente com as colegas que representam a seleção nacional, um marco histórico para o futebol feminino português: o apuramento para o Mundial.  «Foi um momento inexplicável. É um momento do futebol. Veio representar o que muitas gerações vieram a lutar nos últimos anos», sublinha.

As expetativas para a participação portuguesa no Mundial, segundo a jogadora, são desfrutar da experiência, mas sempre com foco em competir. «Não vamos lá para passear, vamos competir, vamos trabalhar muito, sabendo e tendo consciência de que o nosso grupo é muito difícil. Apanhámos Estados Unidos, campeã mundial, e a vice-campeã, a Holanda», refere Dolores. «Mas vamos desfrutar e competir ao mais alto nível. E depois, no final do terceiro jogo, fazemos as contas e, se for possível, porque não acreditar? Podemos até ser uma surpresa», atira.

Todo um percurso profissional de resiliência, com altos e baixos e muitas memórias, é descrito por Dolores como um percurso de «resiliência». «Todos os dias e as lutas menos boas levaram também a agarrar as mais positivas e os melhores momentos, para que continuassem a ser repetidos», refere a atleta. «Felizmente, e ainda bem, lutei sempre por aqui que mais queria e tem corrido bem», conclui.

Para as meninas que começam agora a seguir os seus passos, da mesma forma que a jogadora seguiu os passos das antecessoras, Dolores deseja que, acima de tudo, «se divirtam muito a jogar». «Se têm essa paixão, que trabalhem muito, que sejam muito ambiciosas, mas sempre com humildade e com os pés assentes na terra, que nada vai ser dado facilmente», assegura. 

«É preciso trabalhar, é preciso seguir um caminho que nos permita ser não só boas pessoas dentro do campo, mas também fora do campo», aconselha, antes de terminar: «E acreditem. Acreditem muito».