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A política e as máscaras

Já se foi, há oito dias, o carnaval que é um modo de folgar, de fingir; mas, agora, é tempo e modo de memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris (lembra-te, homem, de que és pó e que em pó hás de tornar-te).

Palavras sugestivas do dia de cinzas e que nos lembram, segundo o Génese, as palavras que Deus disse a Adão, após o pecado original por ele cometido; ora, esta mudança assim rápida e intempestiva no biorritmo de cada reflexão sobre a nossa finitude e que cada vez menos consentidas são pelo nosso quotidiano moderno.

Pois bem, um tanto à guisa de reminiscência histórica, dizem os livros que a origem do vocábulo carnaval se perde na bruma dos tempos; e as opiniões divergem quanto à sua proveniência: para uns carnaval deriva do carne vale latino e que significaria adeus carne, caraterizando o Domingo anterior à Quaresma – Domingo Gordo – a partir do qual era imposta a abstinência de carne durante o tempo quaresmal; mas para outros, a palavra teria a sua origem muitos anos antes do Cristianismo e queria significar as diversões próprias do começo da primavera e constituídas por cortejos com carros alegóricos em forma de barco e daí a designação de carnavale ou currus navalis que quer dizer carro naval.

Claro que estes folguedos carnavalescos são de remontíssima origem e sempre revestindo um caráter libidinoso, como foi uso na Grécia e Roma antigas; e o recurso às máscaras que sempre acompanham tais folguedos põe em evidência o culto pagão aos mortos; e, assim, os pagãos da antiguidade serviam-se destas manifestações para tentar conciliar os maus espíritos através do recurso ao antropomorfismo recorrendo ao uso da máscara e a outros disfarces.

Assim, o carnaval apresenta-se com uma mescla de todos os elementos que de algum modo lhe deram origem, como sejam, folguedos com mais ou menos licenciosidade, desfiles de carros alegóricos – o corso – e grande sortido de máscaras e que, atravessando os tempos, chegam-aos nossos-dias; e isto, talvez, não tanto na sua pureza original, mas assumindo ainda um caráter de marcada variedade e criatividade.

Certo é que o carnaval foi perdendo ao longo dos tempos os traços fundamentais e explícitos da sua génese e desenvolvimento; e, então, nos povos do ocidente e, claramente, no nosso país nunca se expandiu e entrosou com as marcas e razões culturais dos povos do oriente de onde é originário.

Todavia, por todo o lado, a tradição dos folguedos e das fantasias carnavalescas continua a manter-se e a animar a gente deste país que tenta amenizar ou lançar mesmo para trás das costas os duros fardos que a vida lhe impõe; e, sobretudo, porque o povo tem necessidade de mais alegria, boa disposição e otimismo, no seu dia-a-dia, malgrado um certo atavismo que nos tem condenado à sisudez e ao pranto.

Pois bem, de todas as tradições carnavalescas a máscara, nos tempos que correm, tem permanecido como o elemento mais preponderante no caráter dos homens e no funcionamento das instituições, a ponto de, muitas vezes, não se saber onde acaba o homem e começa o ator; e, sem dúvida que nas sociedades modernas caraterizadas por avançadas técnicas de informática, as relações entre os seus elementos começam a assentar em bases tecnicistas e robotizadas, daqui resultando o constante recurso à máscara, ao disfarce que é uma forma requintada, não só de defesa, mas de ataque, quer nos atos, quer nas palavras e intenções.

Hoje as pessoas têm entre si muito pouca frontalidade e cara destapada, conseguindo, assim, prolongar nos trezentos e sessenta e cinco dias do ano o autêntico carnaval que é disfarce e embuste de pouca dura; e, então, se olharmos à vida política do país e aos seus protagonistas, é um carnaval contante: promete-se e não se cumpre, prega-se uma moral para o povo e para si têm-se uma diferente, faz-se da mentira, verdade e da verdade mentira, pratica-se a virtuosa tirania contra os humilhados, explorados e ofendidos e sempre tendo como argumento a razão da força e nunca a força da razão.

E a esta cegada não escapa a exibição das máscaras competência, da seriedade, da solidariedade, da tolerância, da justiça social e, mormente, de verdadeiros democratas, amigos que se dizem do povo e do país que servem e de que, declaram solenemente, nunca se servem; enfim, os atores e as máscaras – num carnaval político que se vê e sente, por aí, retratado no quotidiano de muitos homens e instituições que vem muito a jeito aqui trazer num tem; o do memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris (lembra-te, homem, de que és

pó e que em pó hás de tornar-te).

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado

Dinis Salgado

Dinis Salgado

1 março 2023