Espaço do Diário do Minho

Paz na verdade

2 Fev 2023
Silva Araújo

No discurso de Ano Novo a que comecei por me referir o Papa Francisco tece um conjunto de muito pertinentes reflexões em relação a cada um dos quatro pilares sobre que assenta o edifício da paz. Transcrevo, de seguida, partes substanciais desse discurso relativamente à paz na verdade.

1. Construir a paz na verdade significa, antes de tudo, respeitar a pessoa humana, com o seu «direito à existência e à integridade física», devendo-lhe ser garantida «a liberdade na pesquisa da verdade (…) e na manifestação e difusão do pensamento».

Apesar dos compromissos assumidos por todos os Estados de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais de cada pessoa, ainda hoje, em muitos países, as mulheres são consideradas cidadãos de segunda classe. Objeto de violências e abusos, é-lhes negada a possibilidade de estudar, trabalhar, expressar os seus talentos, ter acesso aos cuidados médicos e até mesmo à alimentação.

2. A paz requer, antes de mais nada, que se defenda a vida, um bem que hoje é posto em causa não só por conflitos, fome e doenças, mas muitas vezes até mesmo pelo ventre materno, afirmando um pretenso «direito ao aborto». 

Ora ninguém pode reivindicar direitos sobre a vida doutro ser humano, especialmente se inerme e desprovido de qualquer possibilidade de defesa. 

É responsabilidade primária dos Estados garantir a assistência aos cidadãos em todas as fases da vida humana, até à morte natural, possibilitando a cada um sentir-se acompanhado e cuidado inclusive nos momentos mais delicados da sua existência.

3. O direito à vida é ameaçado também onde se continua a praticar a pena de morte.

A pena de morte não pode ser utilizada por uma pretensa justiça de Estado, pois não constitui uma dissuasão, nem oferece justiça às vítimas, mas alimenta apenas a sede de vingança.

Nunca se esqueça que uma pessoa pode, até ao último momento, converter-se e mudar.

4. Infelizmente, parece aumentar cada vez mais o «medo» da vida, que se traduz, em muitos lugares, no temor do futuro e na indisponibilidade para formar família e trazer filhos ao mundo.

Nalguns contextos verifica-se uma perigosa queda da natalidade, um verdadeiro inverno demográfico, que põe em perigo o próprio futuro da sociedade.

5. Os medos encontram alimento na ignorância e no preconceito para depois degenerarem facilmente em conflitos. A educação é o seu antídoto.

Educar exige sempre o respeito integral da pessoa e da sua fisionomia natural, evitando a imposição duma visão nova e confusa do ser humano. 

Isto implica integrar os percursos de crescimento humano, espiritual, intelectual e profissional, permitindo à pessoa libertar-se das múltiplas formas de escravidão e afirmar-se na sociedade de forma livre e responsável. 

Que os Estados tenham a coragem de inverter a embaraçosa e assimétrica relação entre a despesa pública reservada à educação e as verbas destinadas ao armamento.

6. A paz exige também que se reconheça universalmente a liberdade religiosa. É preocupante que haja pessoas perseguidas apenas porque professam publicamente a sua fé; e são muitos os países onde a liberdade religiosa é limitada. Cerca de um terço da população mundial vive nesta condição.

Juntamente com a falta de liberdade religiosa, há também a perseguição por motivos religiosos. 

Não posso deixar de mencionar, como mostram algumas estatísticas, que, em cada sete cristãos, um é perseguido.

7. É frequente ouvir atribuir-se à religião os vários conflitos que acompanham a humanidade, não faltando, infelizmente, deploráveis tentativas de fazer uso instrumental da religião para fins meramente políticos. Mas isto é contrário à perspetiva cristã, que indica a raiz de todo o conflito no desequilíbrio do coração humano, como nos recorda o Evangelho: «É do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos» (Mc 7, 21). 

O cristianismo incita à paz, porque estimula à conversão e ao exercício da virtude.



Mais de Silva Araújo

Silva Araújo - 16 Mar 2023

1. A Doutrina Social da Igreja defende a propriedade privada como um direito da pessoa, mas não um direito absoluto, como disse. Recordo alguns textos, além dos já referidos. João Paulo II escreveu no número 14 da Encíclica «Laborem Exercens»: «A Encíclica Rerum Novarum, que tem por tema a questão social, põe em realce este […]

Silva Araújo - 9 Mar 2023

1. Na encíclica Laudato si, de 24 de maio de 2015, o Papa Francisco lembra a doutrina da Igreja sobre o destino comum dos bens: que a propriedade privada é um direito, mas não um direito absoluto; que Deus criou o mundo para todos; que o rico e o pobre têem igual dignidade. Transcrevo do […]

Silva Araújo - 2 Mar 2023

1. Está na ordem do dia o problema da habitação. Será que desta vez vai ser resolvido? Duvido muito. Anexo ao problema está a avidez do lucro. O problema da falta de habitações dignas desse nome exige se coloque em primeiro lugar a pessoa humana, mas… Investir em decentes casas de habitação não será, também, […]


Scroll Up