Vamos desacelerar?
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Coisa estranha, esta. É no tempo que não temos tempo. É no tempo que nos falta o tempo.
Eis o paradoxo abissal, em que cada vez mais nos atolamos, mas sobre o qual raramente pensamos.
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Por isso, não andamos; corremos. Por isso, quando esperamos, sobressaltamo-nos.
Por isso, em vez de falar, ralhamos, gritamos.
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Ralhamos em multidão, ralhamos na solidão. Ralhamos com os outros e não deixamos até de ralhar connosco.
Ralhamos a falar e ralhamos a escrever, sobretudo – e, quase sempre, furiosamente – nas redes sociais.
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Aliás, já Raul Brandão tinha notado que «a verdadeira história é a história dos gritos».
É certo que, em muitas ocasiões, não há alternativa. O referido escritor também achava que «a história é dor». E, perante a dor, se há quem cale, são muitos mais os que gritam.
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Acontece que não é só a dor – de uma doença ou de uma injustiça – que faz gritar.
É toda uma enfermidade que se apoderou de nós. Já não sabemos estar de outra maneira senão a gritar, a atropelar, a agredir.
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A situação do mundo é de conflito. Mas será que o estado de cada pessoa do mundo é de paz?
Para haver paz em nós, é preciso que haja serenidade, calma (cf. Is 30, 15). E muito menor ruído.
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Já o pescador do conto de Edgar Allan Poe, na iminência de ser devorado por um redemoinho, não conseguia pensar nem decidir por causa do vento e dos jactos de água: «Eles cegam, ensurdecem e asfixiam».
Na hora que passa, estamos a ser cegados, ensurdecidos e asfixiados por hordas de vendavais e jactos de água impiedosos. Muitos deles instalaram-se dentro de nós. E, à força de tanta agitação, paralisam-nos e desfiguram-nos.
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Só ficticiamente é que a pressa se torna sinal de vitalidade. Mas, se pensarmos bem, a pressa bloqueia-nos.
Stephen Bertman lançou o alerta quando nos avisou para o «preço da pressa».
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É um preço demasiado elevado que está a ser pago. Esta humanidade acelerada como que «empurra» a felicidade para uma miragem inalcançável.
Por conseguinte, «se não queremos ser optimistas quanto ao futuro do pessimismo» (Jean Rostand), procuremos «desacelerar».
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Até porque, como advertiu Milan Kundera, «quando as coisas acontecem depressa demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo».
É isto o que sentimos. Será isto que queremos?